A minha primeira experiência com a crítica foi através da revista de banda desenhada Tintin, que publicava histórias em continuação, duas a quatro páginas por semana. Uma bd de quarenta e oito páginas prolongava-se por vinte e quatro semanas, o equivalente a uma temporada televisiva actual.
É claro que, de semana para semana, o suspense era muito. Os autores adaptavam as suas histórias ao formato e cada página terminava sempre com um tiro, um grito, uma explosão, uma surpresa, que na maior parte dos casos era apenas um falso alarme. Lembro-me de ler compulsivamente, durante dias, a mesma página à procura de pistas que pudessem dar a entender o que podia suceder na semana seguinte.
Na revista, também havia meia dúzia de páginas a preto e branco com artigos e entrevistas sobre banda desenhada, cinema, literatura, por vezes até politica. Os textos mais longos eram publicados em continuação – algumas entrevistas podiam demorar dez semanas ou mais. Mas, em geral, os artigos eram curtos, pequenos parágrafos descrevendo um autor, um álbum, uma revista, um festival ou um filme. A escrita era concisa, cheia de palavras como “semiótica” e “filactera” – que ainda agora associo a uma doença da vinha. Muitos desses textos eram escritos pelo Vasco Granja, que foi para mim o primeiro critico que admirei, mas também havia artigos de Diniz Machado, mais famoso pelo teatro – “O Que Diz Molero” – e pelos policiais.
O que me fascinava mais naqueles artigos eram as imagens a preto e branco que os acompanhavam: quadradinhos soltos, fotogramas de filmes, capas de revistas, quase sempre legendados de forma entusiasmada ou obscura: “A mais bela capa da fanzineologia lusitana” ou “Uma Estética da Transformação Rigorosa”. Tiradas do seu contexto original, aquelas imagens eram evocativas de uma forma muito poderosa, e lembro-me de fantasiar sobre histórias envolvendo heróis que eu não conhecia, dizendo frases, que isoladas, eram pouco mais do que surrealistas.
Mais tarde, dediquei-me a coleccionar as histórias a que aquelas imagens pertenciam, fossem elas bandas desenhadas, filmes ou revistas, mas só muito raramente conseguiam estar à altura daqueles quadradinhos isolados.
O desenhador Chris Ware acredita que a melhor maneira de ler uma banda desenhada é muito devagar, um ou dois quadradinhos por dia, e eu concordo com ele, embora hoje não consiga dedicar tanto tempo a uma bd. Com o tempo, acabei por compreender que a minha nostalgia não era pelos objectos e pelas histórias em si, mas pelo grau de concentração que conseguia dedicar a cada imagem.
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eu também os li assim, apesar de ser nova e ter os volumes todos num monte em casa do meu avô, devagar. só levava um volume, de cada vez, para minha casa e lia devagar. apesar de fora do meu tempo, a tintin é um ícone da minha infância e uma referência para mim.
Alguém me sabe dizer o nome dos desenhos animados que o SENHOR Vasco Granja passava muitas vezes na TV, em que uma série de bonecos davam uma cotovelada uns nos outros, e o último caia sempre de uma ravina abaixo? Eram muito bons….