The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Decisões

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Mais uma vez, Serralves. Já tinha dito aqui que mudou a sua identidade gráfica e que não foi para melhor; já se sabia que a nova imagem foi concebida pela McCann Erickson. Entretanto, constou-me que esta agência publicitária não foi escolhida por qualquer tipo de critério que tenha a ver com design, mas que tudo não passou de um esquema para a convidar a ser um dos fundadores de Serralves.

(Dentro da bizarra economia do design, era prevísivel que mesmo um cliente do tamanho de Serralves estivesse à espera que uma agência de grande dimensão pagasse para poder trabalhar para ele.)

A confirmar-se a história, aquilo que incomoda é a maneira como – mais uma vez – uma decisão de design não foi tomada nem por razões estéticas, nem pelas características do designer, nem sequer por ser uma pechincha, mas como uma formalidade no meio de outro género de negociações económicas ou politicas, que nada têm que ver com design.

Várias pessoas enviaram-me e-mails sugerindo que, no caso de Serralves,  um concurso resolveria este tipo de problemas e, num primeiro momento, inclinei-me a concordar com elas. No entanto, lembrei-me de todas as histórias mais ou menos escabrosas sobre concursos que eu já ouvi, desde aqueles membros do júri de um concurso nacional de prémios de Design que se foram premiando uns aos outros nas diferentes categorias, até àquele designer que, tendo perdido um concurso apesar de ter apresentado um orçamento mais baixo que o do vencedor, foi subcontratado por este para fazer o trabalho pelo preço que tinha proposto. Ou então, o caso do designer que costumava trabalhar para um arquitecto e que, num concurso público para a sinalética de uma obra desse mesmo arquitecto inesperadamente perdeu, acabando por fazer o trabalho na mesma, justificando-se isso com a alegação que o vencedor não iria dar conta do recado e que, de resto, só ganhou porque tinha ligações familiares ao júri.

Resumindo: se num concurso é dada oportunidade a mais gente, e há mais gente a tomar as decisões, tudo isso pode ser apenas aparente, uma mera formalidade para legitimar uma decisão prévia. Se a atribuição directa não deu os melhores resultados em Serralves, nada garante que um concurso iria resolver melhor a questão.

Mas o que me preocupa nem são os aspectos legais do processo de decisão, se há conflito de interesses, se há favorecimento, etc. – para isso há instâncias legais às quais recorrer –, mas se foi tomada a melhor decisão em termos de design. Sem um debate público regular em torno do design, sem crítica, sem publicações – no fundo, sem uma opinião pública –, não há nada que impeça quem quer que seja de tomar decisões relacionadas com design como se o design não fizesse diferença nenhuma.

Filed under: Crítica, Cultura, Design,

11 Responses

  1. Pedro Cortesão Monteiro diz:

    A nova imagem de Serralves é uma aberração inadmissível. Mas pior, de facto, é o processo.
    Há tempos discutiu-se aqui o concurso para a nova imagem da Ordem dos Arquitectos, a sua pertinência, o seu regulamento, e já naõ sei se o seu resultado. Na altura contive-me para não responder a alguns comentários (felizmente uma minoria) cheios de preconceitos, pressupostos errados e juízos apressados ou mal-intencionados.
    Como disse na altura, fui responsável pela organização do dito concurso, e orgulho-me dos resultados mas, sobretudo, do processo.
    E, precisamente, lamento muito que neste momento não haja uma instância qualquer (ordem, associação, guilda, ou qualquer ajuntamento ad-hoc) que se manifeste publicamente sobre este caso.
    Serralves deveria ser um caso exemplar. Só é pena que o seja pelos piores motivos.

    • Inicialmente, pensei em cobrir a possibilidade de haver uma ordem ou associação que pudesse intervir neste género de casos. No entanto, tendo em conta a falta de vontade da maioria dos designers para discutir publicamente este género de assuntos, não sei se uma ordem ou associação iria ajudar muito. Se não há vontade – ou coragem – para os discutir agora, não sei se uma organização iria ajudar.

      Tal como já tinha dito anteriormente, penso que as associações de design se centram demasiado na ideia de proteger o design e os designers de ameaças exteriores (design feito por amadores, clientes, governo, legislação, etc.) e esquecem aquelas ocasiões em que é um designer a abusar de outros designers ou do próprio design.

      (Quanto ao texto anterior, acredito que a tua intervenção foi realmente oportuna e veio ajudar a perceber as circunstâncias em que as regras do concurso foram elaboradas.)

  2. Gostava de perceber um pouco mais sobre “aquelas ocasiões em que é um designer a abusar de outros designers ou do próprio design.” Não estou a chegar lá…

    • Exemplos do primeiro caso: um designer-patrão que, sistematicamente, não paga, ou paga mal, a designers-funcionários, usando esquemas como estágios remunerados abusivos; um designer que aldraba um concurso em detrimento de outros designers concorrentes (ver os exemplos dados no post).

      Exemplos do segundo caso: um designer que vende gato por lebre, cobrando uma grande quantidade de dinheiro por um trabalho de 2ª categoria.

      Embora não se fale muito do assunto, uma das funções de uma ordem, caso venha a existir, seria investigar e punir situações deste género, podendo mesmo retirar-se a licença a designers prevaricadores, caso isso se justifique. No entanto, duvido que isso alguma vez venha a acontecer, dada a falta de vontade de criticar em voz alta o parceiro.

  3. Hugo Silva diz:

    Já algum tempo que acompanho o blog, é no mínio irreverente o que se discute e a forma como se discute aqui.

    Quanto a este assunto tão polémico que é a nova identidade de Serralves, realmente pareceu-me um bom pressuposto a mudança de identidade.

    Mas de facto, este jogo de interesses demostrado só prova que o Design em Portugal ainda é muito negligenciado. Mas o que quanto a mim é novo, é a desculpa do “design” agora, servir também interesses políticos desta forma. Por muito bom (ou mau) que seja o argumento do desenho por parte da agencia McCann Erickson, é difícil compreender o resultado da identidade.

    Confesso desconhecer uma solução possível, ou alguma entidade capaz de punir este tipo de situações. Com tudo deixo uma sugestão, talvez a próxima renovação renovação siga um destes caminhos sugeridos neste post http://blog.uncovering.org/archives/2009/02/logotipos_para_a_crise.html

  4. Mário, mais uma vez obrigada pelos artigos pertinentes.
    Gostava de acrescentar algumas notas à realização de concursos.
    1. Um concurso não pago é à partida injusto e interesseiro.
    2. Um concurso pago é melhor, mas se o processo for todo realizado sem diálogo com cliente; é à partida um concurso falhado.
    3. Um concurso pago e com apresentações e resultados intermédios com respectivo comentário do cliente, tem tudo para ser um concurso válido. Mesmo assim (e não acho que seja apenas uma questão de gosto pessoal) recentemente o concurso para a nova identidade do Stedelijk Museum em Amsterdão, mesmo seguindo a forma da nota 3 parece ter corrido mal. O vencedor foi inesperado e na minha opinião uma das duas sugestões mais fracas. O resultado aqui.
    Será que júri (comissão escolhida pelo Museu) se absteve de escolher entre os estúdios locais mais arrojados?

  5. Pedro Cortesão Monteiro diz:

    Caro Mário Moura,

    Continuo a pensar sobre este assunto.
    E cada vez mais me parece que, não só é merecedor de denúncia pública, como é uma óptima oportunidade para chamar a atenção para a importância das boas práticas de Design. Pode, afinal, haver alguma vantagem em o caso se dar com uma instituição com a notoriedade de Serralves.
    Eu diria que uma possibilidade era fazer-se uma carta aberta. Mas, claro, posso estar a exagerar…

    p.

  6. Mário,
    não havendo em Portugal uma associação “viva” de designers ou uma publicação realmente empenhada na divulgação, discussão ou reflexão sobre o design como disciplina profissional (corrijam-me se estiver errado), gostaria aqui de propor o desafio para que, tomando este exemplo de Serralves, sejam colocados alguns pontos nos iis, e pedidas algumas explicações a quem de direito – se for esse o objectivo desta discussão.

    A não existir um problema deontológico entre Serralves e McCann, toda esta questão passa tão-só para o campo da oportunidade perdida, da contemplação da chico-espertice em acção e da constatação de quão pequeno e mesquinho é o mundo do design (e não só) em Portugal.
    Como já disse antes noutro comentário, o que se deve perguntar aqui é se Serralves necessitava de um logotipo novo, ou melhor do que tinha (se calhar não), ou se ganhou o novo logotipo que merece (se calhar sim). Este logotipo, quer tenha sido o resultado de um concurso, de uma transacção financeira ou de uma encomenda que presume uma mudança de rumo da fundação e consequente nova imagem gráfica é, quer queríamos quer não, a (nova) face de Serralves – ou do que Serralves quer ser.

    Instituições como Serralves (ou como o Stedelijk Museum) são o que as pessoas que as lideram querem que elas sejam, durante um período específico no tempo. E, da mesma forma que “guns don’t kill people, people kill people”, não existe relação entre a qualidade da identidade visual de uma instituição e a sua missão ou desempenho (por muito que isso nos custe admitir). Essa relação apenas existe entre instituição e as pessoas que a dirigem. O que pode existir porém é que as mesmas pessoas que dirigem essa instituição tenham a sensibilidade (ou a visão, ou mesmo o bom senso) para encontrar na identidade visual da instituição a que presidem uma declinação bem-sucedida da sua missão e da excelência do seu desempenho. São estas pessoas que, ao longo dos tempos (e o Stedelijk Museum é um extraordinário exemplo, Susana) têm promovido o avanço e o progresso do design gráfico e da nossa cultura visual. Agora, se quem dirige Serralves considerar que a sua identidade visual é apenas – como este novo dado parece quer transparecer – um subproduto ou um dano colateral da sua angariação de fundadores e não um espelho da sua missão e desempenho, a única coisa que podemos fazer é encolher os ombros e esperar que venha uma nova direcção – ou que esta mude de ideias. Ou será que podemos fazer mais alguma coisa?

    Se o novo logotipo de Serralves incomoda muita gente, o processo que levou à sua génese poderá incomodar muito mais – isto é, se alguém para além das pessoas que lêem o que escreves se importar com isso. Contudo, tudo o que sabemos sobre o processo (pelo menos ou que eu sei) vem de insinuações e de dados recolhidos (incluindo os outros exemplos de outros designers) sugeridos por ti. Àparte do que sugeres e do que dizes “te ter constado”, não sabemos mais nada. Quem são estes designers? Quem diz “o que consta”? Se existe um problema deontológico na escolha da agência e na escolha do novo logotipo, esse problema deve ser exposto com base em factos e/ou depoimentos e, se for necessário, serem ouvidas ambas as partes. De outra forma, tudo o que tens dito e tudo o que se tem aqui comentado não passa de intriga e de conversa de adro de igreja (ou de corredor de faculdade). Pode não haver um corpo profissional junto do qual designers, clientes e intermediários tenham de responder, mas existe neste país uma comunidade de profissionais pequena o suficiente para que nomes sejam ditos, reputações sejam postas em causa e honras sejam respeitadas – ou não.

    Este é um fórum como qualquer outro. Não é uma publicação impressa, mas é uma publicação. Quando é que se começa mesmo a falar por aqui?

    • Tal como já tinha escrito no post, no caso de Serralves não me interessa muito se houve ou não um problema deontológico, apenas se foi tomada uma boa decisão em termos de design. De resto, fica aqui dito que não me parece que tenha havido qualquer tipo de ilegalidade ou falta de ética no processo. Apenas maus critérios e mau design.

      Chamaram-me a atenção para o estatuto de fundador da McCann e das suas implicações, pedindo-me para não revelar quem mo disse, e não o farei. Se entretanto aparecer algum desmentido ou alguma correcção factual, terei todo o prazer em publicá-la, corrigindo o post em questão, como de resto tenho feito sempre. Acrescento que a informação de que a Mccann Erickson é um dos fundadores de Serralves está disponível publicamente no site da instituição, tal como a informação sobre o que isso significa em termos financeiros.

      É justo que as três histórias sobre concursos sejam consideradas mexericos, porque são realmente mexericos, intriga de adro de igreja, como lhes chamas. Quando muito, servem para dar o tom da “opinião de corredor” sobre os concursos em Portugal. Poderia acrescentar-lhes outras tantas, muitas delas contadas regularmente em surdina pelos próprios intervenientes, sejam eles as vítimas ou os chico-espertos. Como estou sempre a ouvir histórias do género, tenho bastante dificuldade em acreditar no concurso como um formato justo e fidedigno – era apenas esse o ponto que eu queria fazer no texto.

  7. Teresa Olazabal Cabral diz:

    Bom dia!
    Tenho seguido esta conversa com o maior interesse e venho apenas dar o meu apoio para “o que quer que seja” que se possa fazer… A começar pela reflexão aqui mas talvez também (e porque não?) seguindo a sugestão do Pedro CM: uma carta aberta para um jornal de referência assinado por vários designers…
    Se afinal sobre o processo não se pode dizer nada, por falta de dados, é um facto que o resultado é francamente mau. E a responsabilidade de chamar a atenção para a qualidade do design e de tentar formar um pouco a opinião pública tem que ser nossa, de todos os designers que pretendem que o Design seja algo mais do que um mero decorativismo ou campanha de marketing sem sentido.
    Termino com os meus parabéns ao Mário Moura por este blog e também pelo livro que tenho o prazer de ter conseguido comprar na livraria Trama em Lisboa (parabéns também aos designers)!
    Aguardo notícias sobre o lançamento em Lisboa.

  8. […] Nos comentários a um dos posts que escrevi sobre a nova imagem de Serralves, foi sugerido que escrevesse uma carta aberta a um […]

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