(páginas do catálogo For the Blind Man, encontradas aqui)
O que li sobre arte e design nas férias? Sobretudo revistas e catálogos, ou coisas que se balançam elegantemente entre os dois. Dá a ideia que nas artes actuais ninguém chega a ser pago para fazer uma só coisa: a bolsa que é dada para a participação numa bienal é usada para fazer um catálogo que por sua vez funciona como número de uma revista, etc. Este processo foi-me alegremente explicado por Stuart Bailey quando esteve cá no Porto no ano passado e confesso que, se por um lado me pareceu bastante precário, reconheço que os malabarismos envolvidos até podiam ser interessantes, tornando-se a base de toda uma série de publicações que orbitam entre Amesterdão, Londres e Nova Iorque, raspando por vezes a atmosfera de Lisboa ou do Porto.
Um destes meteoritos é a F. R. David (sobre a qual já escrevi há uns tempos). Cada número tem na lombada uma das letras do nome da revista. Não consegui apanhar os dois primeiros, que soletram “F” e “R”. Nestas férias comprei o sexto – e último até agora – o “I”, que corresponde ao Inverno de 2009. Agora só me falta o segundo “D”, o do próximo Verão, para conseguir escrever “David”, a primeira vez que consigo formar uma palavra desde que compro revistas que soletram o seu nome nas lombadas (andei lá perto com a Arena, mas acabava sempre por falhar um número).
A letra da lombada também parece o número romano “I”, ou então “Eu” em Inglês, uma coincidência que não passou desapercebida aos editores, que resolveram que este número não fosse para além do seu próprio editorial, repetido sete vezes, uma vez para cada dia da semana. A estratégia não é nova: uma revista sobre intenções sobre o que será uma revista. Mas no caso da F. R. David, soa a insistência, tendo em conta que já tinham feito um número chamado “Book of Intentions”. Por outro lado, aquilo que agrada nesta revista é a maneira como textos das mais diversas origens se reúnem num objecto surpreendentemente coeso e legível. Esta revista de editoriais acaba por perder essa variedade. No final, fica uma frustração semelhante à de ver genéricos sem chegar a ver o filme ou de comprar um livro só pela capa. Não é, portanto, a melhor ou mais sumarenta F.R. David de todas, mas recompensa, apesar de tudo, uma leitura atenta.
Menos frustrante é o catálogo “For the blind man/ in the dark room/ looking for the black cat/ that isn’t there”, também com design e edição de Will Holder e escrito, tanto quanto se pode perceber, por Anthony Huberman. Em termos gráficos, parece uma F.R. David gigante, mais visual, mas também mais crua. Usa o mesmo esquema tipográfico de maneira mais solta, com uma capa plástica que deixa ver os pormenores da encadernação à transparência como se fosse um modelo anatómico. Funciona como um ensaio solto sobre o tema da relação entre o conhecido e o desconhecido na arte e na ciência. O título diz respeito a uma citação atribuída a Darwin, onde um matemático é descrito como um cego procurando num quarto escuro por um gato preto que não está lá. O ensaio utiliza os temas da cegueira, do quarto escuro e do gato para produzir uma reflexão surpreendentemente fluida sobre o tema. As imagens, usadas em contraponto ao texto, não se limitam à mera ilustração, mas constroem relações que complexas que se vão revelando ao longo do tempo: Jorge Luís Borges, Bouvard e Pécuchet, Bas Jan Ader, Diderot, etc.
A exposição a que este catálogo diz respeito vai estar na Culturgest de Lisboa em Maio deste ano e tudo indica que vai ser bastante interessante com uma peça onde Marcel Broodthaers entrevista o seu gato a propósito de uma pintura ou outra onde Bruno Munari ensaia diversas maneiras de se encaixar numa poltrona desconfortável. Mais uma vez a Culturgest demonstra ser o sítio onde se podem encontrar aquelas coisas a meio caminho entre o design, a arte, a edição e a escrita, principalmente graças à intervenção de Miguel Wandschneider.
Duas das suas exposições, sobre a Roma Publications e a Extended Caption (DDDG) – para a qual escrevi um texto de introdução – aparecem no décimo primeiro número da revista coreana de design Graphic. É dedicado a doze exposições ligadas ao design e à edição independente. Contém entrevistas e textos dos curadores, mas o ponto de interesse são as ilustrações de Walter Warton, que parecem ter sido feitas a partir de descrições e fotografias das exposições, construindo espaços como se fossem retratos-robot. Estes desenhos foram usados numa pequena exposição em Amesterdão e esta revista serve como a catálogo dessa exposição de exposições, ilustrando perfeitamente o carácter dessas mesmas exposições, itinerantes, cumulativas, dando origem a catálogos que se autonomizam ou que prolongam outros projectos.
Filed under: Crítica, Cultura, Design, Exposições, Publicações, Culturgest, F.R. David, For the Blind, Graphic, Stuart Bailey, Will Holder
É um belo livro/catálogo, sim senhor! Gostava de ver a exposição, devia estar no Porto!