Um livro clássico de Paulo Cantos, Ultramar Divertido (1953?), encontrado há uns meses. Cheio de desenhos feitos com caracteres tipográficos – que Cantos chama “onomatogramas” –, com poemas acrósticos – em que a primeira letra de cada linha forma uma palavra –, de sobreposições a branco, de fotografias, etc.
Do autor é difícil separar facto da ficção e tudo o que sei dele é em segunda mão: era médico, da Póvoa, um engenhocas que tinha uma casa toda artilhada com escadas cujos degraus também eram gavetões, que acreditava numa linguagem universal, que era amigo de escola de Salazar, que o mesmo Salazar o tinha mandado f***r, que lutou na 1ª Grande Guerra, que não lutou na 1ª Grande Guerra, que tinha os seus próprios caracteres tipográficos com os quais compôs dezenas – centenas – de livrinhos.
A ideia pessoal que tenho dele é a de um cromo incansável, talvez até um bocadinho insuportável, sempre com um livro debaixo do braço para oferecer: dois dos três que tenho dele têm uma dedicatória do próprio. Estão todos ainda com as páginas por abrir – ou seja: descontando a idade e as manchas do papel, estão novos; em sessenta anos ou mais, ninguém os leu.
São livros eléctricos, com um humor infantil e muitas vezes pornográfico – um deles tem na capa algo que parece um grande padrão dos descobrimentos que na verdade é um falo com a legenda “tese tesa”. Fica-se a pensar no que separa esta produção dos Futuristas ou dos Dadaístas, quase contemporâneos, igualmente divertidos e ofensivos. É mais vibrante e visual que o Futurismo português, tendo as tendências políticas do Salazarismo – colónias, provérbios, grandes homens —, mas como se tivessem posto demasiado açúcar nos cereais do pequeno almoço. Nada de serenidade e sentido de estado. Os formatos são à primeira vista sérios, dicionários, manuais, livros de história, mas desfazendo-se em comédia logo desde a capa.
Na grande maioria dos alfarrabistas é uma figura desconhecida; nos restantes é associado “aos designers” que perguntam por eles.
1. Abertura com caligrama acróstico à direita e um “onomatograma” formando o nome do autor na badana.
2. Mapas tipográficos da China.
3. e 4. Ao longo de todo o livro aparecem silhuetas de barcos feitos com caracteres.
5. Nas costas, uma lista de livros do autor.
(por curiosidade e para comparação, fica aqui um livro do começo dos anos 1980 de E.M. Melo e Castro, com algumas tendências gráficas semelhantes mas de humor mais cerebral:
)
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muito interessante!