A diferença entre Passos e Sócrates é que enquanto o segundo, sendo socialista, acreditava que a treta devia ser distribuída universalmente, o primeiro acredita que, não poupando o resto da população, a Função Pública deve apanhar com o impacto frontal da coisa, para que o resto dos Portugueses, dependendo da sua orientação, possa dizer que “até mereciam”, “antes eles do que nós” e por aí adiante – tudo em nome da coesão social (se entendermos a sociedade como algo que não inclui os funcionários públicos, claro).
Já era bastante evidente, por exemplo, que o corte dos subsídios não ia ser temporário; quinze dias depois, verifica-se que dizer que seriam temporários é que foi temporário. Já era evidente porque Passos tinha vindo com uma desculpa verdadeiramente pindérica, dizendo que, se os cortes se estendessem além da função pública, os mercados chateavam-se ou a Troika cortava-nos a ajuda – sem grandes explicações de como, porquê ou quanto. Arriscando-me a dar uma explicação que o próprio Primeiro Ministro não deu: tendo em conta a sua orientação ideológica, (que Merkel e Sarkozy partilham; daí talvez a referência à Troika), a função pública deve ser preferencialmente eliminada.
O ideal seria fazer o tal despedimento em massa, mas isso ia implicar uns tantos meses de subsídio de desemprego, o que não dava um corte tão grande como deitar fora 14% dos salários, congelar as progressões, cortando assim 20 a 25% no caso de alguém que sobe de escalão mas ainda fica a receber o salário antigo, e ainda o corte percentual do ano passado. Resumindo e só de cabeça: já deve andar por aí gente com cortes reais de salário de um terço ou mais. E, claro, despedindo um funcionário público, transforma-se a criatura num desempregado, o que já não permite que se atire para cima dele tanto preconceito.*
É uma estratégia fracturante e cínica que reduz a coesão social a um “fiquem todos quietinhos enquanto vamos batendo só em alguns de vocês; pode ser que não apanhem.”
*A definição mais actualizada de preconceito é uma opinião que continua a mesma depois de lhe serem mostradas provas em contrário – um gráfico da OCDE, por exemplo.
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