The Ressabiator

Ícone

Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Teoria Geral da Escravatura

Há uns tempos apanhei um texto antigo de Paul Krugman explicando de modo bastante sucinto o que levava uma sociedade a escravizar pessoas. O artigo usava como fundamento um modelo económico desenvolvido em 1970 pelo economista russo Evsey Domar, cujo exemplo base era o sistema de servidão do campesinato russo que vigorou entre meados do século XVII e meados do século XIX. Por lei, os servos não podiam abandonar as terras onde viviam, cujos donos eram grandes proprietários rurais. Se estes as vendessem, a “propriedade” dos servos passava para o novo dono.

Para um economista como Domar, a sobrevivência de um sistema feudal até quase ao século XX era um enigma para o qual propôs uma solução elegante: tinha tudo a ver com a proporção entre quantidade de trabalhadores e quantidade de terra. O sistema servil tinha aparecido na mesma altura em que as terras férteis da Ucrânia começaram a ser povoadas e isso foi uma pista importante. Se havia pouca terra mas muitos trabalhadores, os salários desciam. Se, pelo contrário, havia mais terra do que trabalhadores, os salários subiam – um aumento de custos que os proprietários contrariaram, organizando-se de maneira a impor leis que fixavam os camponeses às terras onde trabalhavam num regime de servidão feudal – se não de escravatura propriamente dita.

Resume Krugman que só compensa escravizar alguém se o salário que lhe é pago em liberdade for inferior superior ao custo da simples alimentação, vestuário e alojamento. E conclui com a pergunta:

“why hasn’t indentured servitude made a comeback in the modern era? Yes, I know, human rights and all that – but if it was profitable to have indentured servants in the modern world, I’m sure that Richard Scaife’s think tanks would have no trouble finding justifications, and assorted Christian groups would explain why it’s God’s will.”

Tanto quanto sei, não há uma tradução directa para português da expressão “indentured servitude”. Uma aproximação seria “trabalho forçado” que deixa de fora uma nuance curiosa: o “indentured laborer” era por vezes um escravo temporário que abdicava voluntariamente da sua liberdade para pagar uma dívida, por exemplo. Pela minha parte e tendo em conta que cada designerzito – e não só – tem de passar por períodos cada vez maiores de trabalho não-remunerado antes de encontrar um emprego que lhe permita subsistir, definitivamente não perguntaria porque deixou de existir a tal “indentured servitude”…

Nota (só para me ajudar a contar depois): este foi o post nº 600.

Filed under: Crítica, Cultura, Design, Economia, Estágios, Política, Prontuário da Crise

3 Responses

  1. Nuno diz:

    Numa sociedade com o endividamento privado extremamente alto, para pagar um bem essencial como a habitação, existe um grande número de “servos da dívida”.

    Como se optou por ignorar o mercado de arrendamento e baixar juros nos anos do Euro disfuncional passou a compensar (a título mensal) fazer spreads de 50 anos por valores em muitos casos próximos do rendimento que se espera gerar nesse período, pagando a mesma casa 2 ou 3 vezes.

    Ou seja, muitas pessoas, e agora países inteiros, por causa de problemas estruturais do sistema financeiro e a erosão da sua economia, são “indentured laborers” de dívidas impossíveis de pagar, que por sinal eram outra das formas de “prender” servos noutros tempos.

    Não é preciso esperar por Scaife’s ou grupos religiosos – os bitaiters das televisões, governantes nacionais e da UE da Igreja da Austeridade já nos dizem diariamente que é a Sua Vontade do Mercado e que o preço tem que ser pago em sangue e trabalho, indefinidamente.

  2. Carlos Azeredo Mesquita diz:

    Apenas uma chamada de atenção: o seu texto contém um lapso na escrita/tradução: “só compensa escravizar alguém se o salário que lhe é pago em liberdade for *inferior* ao custo da simples alimentação, vestuário e alojamento.”

    Onde se lê “inferior” dever-se-ia ler “superior”, caso contrário o argumento não faz sentido.

    E remetendo para o texto original: “there’s no point in enslaving or enserfing a man unless the wage you would have to pay him if he was free is substantially *above* (e não “inferior” como está no seu texto) the cost of feeding, housing, and clothing him.”

Deixe um comentário

Arquivos

Arquivos

Categorias