Não é uma história que pretenda ser exacta, no máximo dos máximos uma fábula construída a partir de várias situações ou lugares para sublinhar um argumento: uma aluna que não tinha terminado um curso – salvo erro – de pintura ainda nos anos oitenta, deixando para trás cadeiras como tapeçaria, têxteis ou cerâmica, decidiu-se a terminá-lo décadas depois, já com filhos, casa e marido. Entretanto, o curso tinha mudado de nome, as cadeiras que lhe faltavam desapareceram com a passagem para Bolonha. Os seus últimos professores já se tinham reformado há muito. Administrativamente, decidiu-se que, por equivalência, a senhora deveria frequentar uma unidade curricular relacionada com vídeo para terminar o seu curso, o que fez, calculo que com alguma dificuldade. No final, quando pediu o certificado de habilitações, com a relação das cadeiras que tinha feito e as notas que tinha tirado a cada uma, essa unidade curricular vinha identificada como tapeçaria, têxteis ou cerâmica.
Outra história: numa universidade havia um professor com uma larga bibliografia na área das ciências humanas, publicada por editoras extra-universitárias, habitualmente alvo de menção nos programas culturais do Canal 2 e de recensão nos jornais e revistas mais respeitados – tudo trabalho amplamente citado em teses de mestrado e doutoramento. Ora quando chega a altura de uma daquelas avaliações periódicas que permitem uma subida de escalão e de salário, conclui-se que não tinha publicado tantos artigos em publicações com peer review como outros colegas seus, menos vistosos ou citados, que acabaram por ser promovidos no seu lugar. Esta é uma versão possível. Em outras versões, as autoridades, mais benevolentes, acabam por decidir promover o senhor, criando-lhe um estatuto especial, uma equivalência.
Outra história ainda: lembro-me que havia quem fosse contra o casamento de pessoas do mesmo sexo mas, não querendo descriminar, não tendo nada contra a homossexualidade, tivesse sugerido a criação de um estatuto equivalente.
As sociedades democráticas governam-se através da discussão pública e só acede a essa discussão quem tenha uma identidade pública reconhecida e respeitada. As mulheres portuguesas, por exemplo, só num período relativamente recente alcançaram uma identidade pública que lhes permitisse votar, mas foi um processo longo e penoso. O design português luta desde há muito pelo seu reconhecimento – no fundo, a sua identidade pública. Até o facto de ser obrigado a identificar-se como “Outros artistas plásticos” num recibo verde o incomodava mais do que ser obrigado a passá-lo.
Quanto mais democrática é a sociedade mais se respeita e representa a diferença, recorrendo-se o menos possível a equivalências – mesmo que isso até agilize a papelada. Se há leis ou instituições que impedem regularmente as pessoas de terem um tratamento mais justo e honesto, propondo-lhes em vez disso uma qualquer equivalência, é porque precisam de ser mudadas.
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outra nota para ler e apagar:
nos detalhes dos comentários aparece “mês x, 2012 ás xx:xx”, aquele acento devia ser grave: às.
(é uma compulsão…)
Eu sei (e obrigado), mas esse é um pormenor que vem de origem e que ainda não descobri como mudar (quanto ao facto/fato foi resultado da iniciativa do iPad que corrige regularmente as coisas conforme entende).