O corte total dos apoios pontuais à cultura surpreende tanto como o calor a meio de Agosto. Que se tente atenuá-lo por uma política de incentivo à internacionalização só confirma a tentativa de extermínio, porque o problema com a cultura portuguesa nunca foi a circulação de indivíduos internacionalmente, mas a capacidade de os fixar aqui, de lhes dar condições para que façam o seu trabalho aqui.
Se a emigração é quase sempre difícil, não chega a ser tão difícil como manter uma nesguinha de cultura que funcione em Portugal. Já tinha dito há uns tempos, não sei em que texto, que as pessoas são como CDs e os países como aparelhagens. Se os artistas soam quase sempre muito pior aqui, arranhados e aos saltos, a culpa não será tanto deles como das instituições que os sustentam.
Este vai sendo um país onde se deu indemnização a uma empresa porque não podia cobrar portagens numa ponte durante o mês de Agosto, mas onde manter uma editora, uma companhia de teatro ou fazer um filme é uma aflição crescente – fosse a Lusoponte um mero funcionário público, dir-lhe-iam que poupasse durante o resto do ano se queria ter dinheiro nas férias. Assim, há subsídios para quase tudo – energias renováveis, combustíveis fósseis, ensino privado, etc. –, só a cultura é vista como subsidio-dependente.
Haverá sempre mais algum dinheiro para aquela fatia da cultura que se parece mais com o topo de uma empresa e esse dinheiro desaparecerá em geral antes de chegar aos artistas. Tal como é mais importante ter uma fábrica, firma ou uma atelier com lucros que não envergonhem do que pagar a quem efectivamente lá trabalha, também é importante ter grandes instituições que mostrem que até temos cultura por aqui.
E é claro que, apesar dos cortes, a cultura vai continuando a existir e a ganhar prémios, e a dar que falar lá por fora – porque é essencial e, por pior que as coisas estejam, há-de sempre haver alguém que escreva, fotografe, filme ou desenhe. Por cá, isso será sempre uma coisita subalterna, financiada pelo outro emprego ou pelo outro negócio, uma cultura praticada por amanuenses em tascas urbanas que ao fim-de-semana são também galerias e editoras.
Chamar “Secretaria de Estado da Cultura” a esta miséria é mais do que adequado, tendo em conta que se reparte entre o que é produzido entre a burocracia das instituições de maior escala e o que é produzido fora do expediente pelos secretários que lá trabalham.
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talvez chamar ‘Guiché’