Vi ontem às duas e pouco da manhã o documentário Donos de Portugal, que formalmente não é incrível, não é o Pare, Escute e Olhe, por exemplo. Pelo seu ar cru e expediente, poderia perfeitamente ser uma grande reportagem, das que passam durante um telejornal e costumam ser dedicadas aos efeitos da crise (sobretudo se puxarem ao sentimento): velhinhos a viverem sozinhos na baixa, jovens a trabalharem num call center, uma família de oito filhos a sobreviverem com cem euros por mês, etc.
Mas esta é uma reportagem sobre as causas da crise e demonstra-as abundantemente: um poder económico concentrado em meia dúzia de pessoas, transmitido por casamento e herança, protegido pelo Estado; um poder que protege abertamente os políticos que o favorecem, numa promiscuidade tão obvia que parece inevitável; um poder que se apoia sistematicamente em subsídios estatais de larga escala (pelos vistos um subsídio só é mau quando é pequeno).
É assim que se mantêm os lucros e a saúde de empresas primitivas, pouco competitivas, que cobram o que lhes apetece pelos seus serviços e que se habituaram a um país de salários baixos, de sindicatos ilegalizados ou descredibilizados.
Pelo documentário, percebe-se que o 25 de Abril não significou a queda de um governo um pouco mais sinistro que o habitual, como nos querem fazer querer, mas também uma tentativa – ou pelo menos uma esperança – que a nossa economia e a nossa sociedade se tornassem um pouco mais justas.
Quase quarenta anos depois, a crise tem sido um pretexto para dar cabo do pouco que sobra dessa esperança. Salários, saúde, educação e segurança social, tudo isso é considerado excessivo – as tais gorduras do Estado –, enquanto os custos do trabalho há um ano já eram menos do que metade da média dos da zona Euro. A desigualdade social que já não era pequena, não só aumenta como se torna num objectivo – nem é difícil demonstrá-lo: com o grosso da crise a ser apontado para a classe média, que tende a desaparecer, o fosso entre pobres e ricos aumenta.
Tudo isto está a ser conseguido com muita desinformação, com muita argumentação defeituosa, ignorante e preconceituosa. No ambiente actual não espanta que este documentário tenha passado às tantas da noite na véspera de um feriado, no canal mais desprezado do que sobra da televisão pública.
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Muitos factos históricos interessantes – percebemos um pouco como funciona o nosso país.
Mas, não dava para colocar as opiniões e observações de nenhum historiador de Direita ou alguém que coloque as motivações políticas de lado, nesse vídeo? É que assim, nem é preciso ver mais de cinco minutos para se perceber ao que se vai. Acho que isto também é em grande medida “desinformação, com muita argumentação defeituosa, ignorante e preconceituosa” pelo meio.
Mas claro – enquanto os fossos aumentam, não só entre ricos e pobres mas também entre crentes e infiéis -, cada um acredita nas teorias que quiser.