The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Retrato do Artista e dos seus Mecenas Enquanto Patos Bravos

Graças a uma pergunta da plateia no final de uma conferência na Universidade do Algarve foi possível conhecer a reacção de Pedro Cabrita Reis às críticas negativas de que foi alvo a sua intervenção na barragem da Bemposta.

Resumindo: o artista considera esta reacção “perfeitamente saudável”, que “a atividade do artista não tem de ser cordata com aquilo que a sociedade espera”, que “a ética de um artista não se prende com aquilo que seria a resposta imediata da sociedade”, que, “no momento inicial, há sempre fraturas, as pessoas têm dificuldade de, de forma espontânea, incorporar transformações da sua paisagem e têm todo o direito de reagir de forma adversa”, que o seu cliente neste projecto, “a EDP devia ter contado às pessoas, devia ter ido junto dos órgãos do poder local para explicar o que ali se ia fazer. [Que ele] estava disponível para isso!” Que a “abordagem que as televisões fizeram às pessoas foi demagógica, urbana, paternalista. […] Foi uma utilização reacionária dos meios de informação em relação à obra de um artista contemporâneo”.

Ou seja, por um lado a velha ideia mais ou menos romântica do artista como estando à frente da sociedade da sua época que ainda não consegue compreender o seu gosto ou a sua ética, e por outro a demagogia das televisões que fizeram daquilo tudo um escândalo. Repare-se que o problema é posto apenas em termos da arte e do artista por oposição aos media, à população e ao poder local, esquecendo que esta intervenção faz parte de um plano mais vasto que inclui a construção e reabilitação de mais barragens – um plano que põe em risco o estatuto da região como Património da Humanidade. Que intervenções culturais como a de Cabrita Reis ou a do arquitecto Souto Moura na barragem do Tua têm apenas como objectivo servir de contrapartida a uma intervenção que vai ser bastante destrutiva na paisagem, no que resta das populações e nos ecossistemas da zona. Espera-se assim que esta “cultura” toda convença os senhores da Unesco a acharem que afinal ainda há por ali património que chegue para justificar o estatuto.

Mas numa sociedade completamente dominada pelos grandes interesses privados que se dedicam a tomar posse de recursos naturais até há pouco à guarda do Estado, é expectável que esses grandes interesses invistam em arte e artistas que estejam dispostos a monumentalizá-los com toda a pompa e circunstância que acham que merecem. É disso que os grandes roteiros da arte e da arquitectura do Douro tratam realmente. Assim, quando se fala da ética e da actividade do artista não coincidirem imediatamente com as que dominam a sociedade, se calhar era preciso uma postura um bocadinho diferente da de Cabrita Reis.

Filed under: Arquitectura, Arte, Crítica, Cultura, Design, Prontuário da Crise, ,

13 Responses

  1. Uma questão (retórica): não será o logótipo metamórfico do sagmeister, monumento de simbolismo igual ao da tinta amarela nas paredes das barragens? Foi feito para a privatização.

  2. Alexandre Ferreira diz:

    Independentemente do aspecto horrível desta “peça de arte”, Mário Moura tem vindo a criticar a construção de todas as barragens. Mas eu pergunto: que outra solução apresenta para a produção de energia eléctrica? Será preferível continuar a recorrer a combustíveis fósseis? Não me parece que o recurso a energias renováveis seja um interesse privado. Eu, leigo nesta matéria, gostaria apenas de questionar que alternativas sugere, pois vamos continuar a consumir electricidade, nem que seja para ligar o computador.

    • Em primeiro lugar, racionalizando o consumo, tornando-o mais eficiente. Investindo mais em casas e edifícios que não precisem de tanta energia para aquecimento ou refrigeração. Depois, se realmente for necessário construir barragens, evitar fazê-lo em áreas protegidas.

      • Alexandre Ferreira diz:

        Mas vai continuar a ser necessário produzir energia eléctrica. E todas as formas de o fazer marcam, de uma maneira ou de outra, a paisagem. O problema é encontrar, dentro das soluções possíveis, a que melhor satisfaz os objectivos com o menor custo financeiro e para o ambiente. Se não houver barragens, continuamos com as centrais termoeléctricas? Paramos de produzir energia?

  3. Duarte diz:

    Falar em eficiência energética no País da Europa com piores resultados e com uma empresa em regime de monopólio faz algum sentido…
    O problema é a péssima qualidade do edificado. No contexto actual com excesso de oferta, não se vai construir bem tão cedo, desta forma vamos ter que “gramar” com um País com espaço urbano de má qualidade e demasiado feio para captar qualquer tipo de turismo de qualidade. Ou então, é leva-los a passear às “barragens de Autor” que são tão respeitáveis como todas as outras obras de arquiteto xpto, claro que há o pormenor das áreas protegidas mas em Portugal não passa disso mesmo: um pormenor.

  4. isa diz:

    ou investir em construção inteligente, acrescentado energia solar a equação. (uma utopia saudavel)

  5. maria diz:

    Creio que se a barragem de Foz Côa tivesse sido construida, não tinham tanta lata de andar a fossar no Tua e Sabor.

  6. maria diz:

    Para mim.. o DOURO JÁ ERA…

    Tanto os espanhóis como os portugueses tem-se entretido na sua decoração.
    Não suportam ver nada nada em estado selvagem,
    têm que meter a “mão do artista”.

  7. maria diz:

    Tenho pena, pois era para mim a região mais esquecida de Portugal.
    …a mais protegida.

  8. mochochato diz:

    Se esta intervenção do PCReis é considerada como arte, eu proponho que se pinte toda a fachada do Mosteiro do Jerónimos de rosa-choque! (o melhor é não dar ideias…). Já agora tenho de confessar que não gosto do PCReis pois ele há alguns anos tentou pontapear o meu cão no Largo do Camões sem qualquer motivo. Mas ele de certeza que não é boa gente.

  9. mochochato diz:

    Afinal a cor utilizada pelo Cabrita reis faz todo o sentido! Será que ninguém viu o óbvio? Terei de ser eu a recordar-vos que a EDP é agora dos chineses?! Afinal o verdadeiro artista deve sempre procurar agradar ao seu mecenas…

  10. […] vai-se percebendo um padrão: aqui junta-se arquitectura de renome e intervenções artísticas em larga escala como tentativa de equilibrar a destruição patrimonial e ecológica causada por […]

  11. […] terras suficientes com que especular, faziam-no com imagens de terras. Por cá também há uma arte das barragens, que serve sobretudo para dar credibilidade patrimonial à agressão ecológica de grande escala […]

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