Há uns textos atrás, falei da urgência de uma atitude mais interventiva dos curadores em relação à maneira como a cultura tem sido tratada durante esta crise. Digo isto porque as tomadas de posições dos artistas não têm sido, claramente, suficientes. Falta-lhes autoridade e visibilidade.
Em primeiro lugar porque a sua visibilidade depende cada vez mais de uma intervenção curatorial, que lhes limita a intervenção, tornando-os, na pior das hipóteses, numa espécie de conteúdo. Em segundo lugar, porque a arte dos últimos anos (décadas?) é ambígua, logo demasiado indirecta e oracular para que possa reivindicar alguma coisa de um modo que não pareça irónico ou até sarcástico.
A política na arte reduziu-se em grande medida a um género, com as suas regras e referências próprias, onde não se pode fazer um grafitti sem citar fulano A ou B, não se pode pôr um cartaz na fachada de um museu sem estar a copiar C ou D – nostalgia, no fundo, imposta como se tratasse de rigor. O resultado é um reconstrução formal da política, apagando e mutilando o seu conteúdo. Silenciando-o. Reduzindo-o à tal ambiguidade.
Mesmo ao nível da crítica, há uma separação entre conteúdo e forma, entre uma crítica institucional e uma crítica de arte, que é quase esquizofrénica e que é possível ver muito bem nos principais suplementos culturais dos nossos jornais. Há a recensão propriamente dita, que situa a exposição numa tradição ou no percurso do artista. Tal como as obras, também ela costuma ser bastante opaca, não se percebendo muitas vezes se é positiva ou negativa, antes de ver as estrelas atribuídas. Há também secções de opinião, onde os críticos se ocupam dos critérios da crítica, da sociedade em geral e das políticas culturais.
Idealmente, seria necessário perceber-se no mesmo momento o contexto institucional e financeiro sobre o qual são produzidas, comissariadas obras e exposições. Não tenho muita paciência para uma cultura que ainda é apresentada como uma realidade compartimentada, formalista, isolada dos próprios mecanismos políticos e financeiros que a sustentam.
Exemplos do contrário? Vão ao site do Guardian. Leiam a crítica da New Yorker ou da New York Times. Tanto no design, como na arquitectura, como na música ou nas artes plásticas.
Argumentar-se-á que, numa ocasião em que se despedem jornalistas em massa e se planeia o fim de canais de televisão, não haverá dinheiro para manter a crítica que temos, quanto mais para a melhorar. A maioria da responsabilidade disto pertence a quem tem o dinheiro para decidir; alguma pertence ao próprio jornalismo crítico que se foi tornando cada vez menos pertinente, mais opaco e ambíguo, tal como os objectos que comenta.
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