Fazer do Estado e da própria sociedade uma empresa ou, mais exactamente, desfazendo-os num conjunto de empresas, às vezes de uma pessoa só, competindo saudavelmente entre si é a grande utopia neo/ordo/ultra/etc/liberal. Ao contrário de uma grande hierarquia que planeia tudo centralmente, fica-se com uma organização espontânea, mais eficiente, que, se deixada em paz, emerge naturalmente das interacções do mercado.
Isso é o que diz na publicidade do brinquedo. Na realidade, as coisas não são, nem nunca foram, assim tão simples. As grandes utopias liberais são, no limite, tão perigosas e violentas como as utopias centralizadoras. A mão invisível do mercado só funciona minimamente quando acompanhada de uma mão bastante óbvia e cerrada que reprima os efeitos sociais do mercado livre.
Quando o Estado é administrado como se fosse um conjunto de empresas o resultado não é entusiasmante, excepto para quem ganhe algum dinheiro com isso. A grande maioria fica a perder.
Mas, curiosamente, quando uma empresa é administrada como um conjunto de empresas, as consequências são igualmente más. Nos Estados Unidos, a empresa Sears, de vendas a retalho, está a ser gerida deste modo por um guru recluso. Cada secção compete com as outras por fundos, precisa de pagar para ter espaço na publicidade da empresa, etc. O resultado mais visível é a incapacidade para colaborar em nome do interesse da empresa. Os menos óbvios são a necessidade de cada secção ter que gastar mais dinheiro em gestão de topo cortando mais abaixo.
Lendo o artigo, não consigo deixar de fazer um paralelo com o que se está a passar desde há anos na função pública, ensino, saúde, etc. Em vez de haver colaborações em torno de objectivos e identidade comuns, a regra é cada vez mais a competição, perdendo-se um ror de tempo e recursos com isso, e ganhando apenas medo e crispação.
A racionalização dos serviços passa sobretudo por cortar funcionários, sobrecarregando os que vão sobrando ou eliminando mesmo os serviços, obrigando os utentes a esperar cada vez mais, cada vez mais longe de casa, etc.
Se nem uma empresa deve ser gerida como uma empresa, porque deve o Estado sê-lo ?
Filed under: Crítica
Empresa+empresa vs Estado+empresa = argumento avassalador… Muito bem visto !