Cada cadeira vale x créditos. Completando cadeiras o aluno vai acumulando créditos. Alcançando um certo número de créditos, fica-se com o grau. A ideia do crédito é facilitar a mobilidade dos alunos entre cursos e entre países. É uma unidade monetária que permite pôr numa escala comum cadeiras de arte, de medicina, de direito, etc. Sabendo isto, percebe-se que se trata de refazer o ensino superior à imagem de um mercado e portanto uma ideia próxima das crenças neo/ordo/ultra/etc/liberais. O crédito de Bolonha é o equivalente académico ao Euro e isso bastaria para pensar duas vezes sobre este sistema.
Por exemplo, a ideia que qualquer cadeira deve (idealmente) poder ser frequentada por um aluno vindo de qualquer outro curso, vai tornando as cadeiras em unidades modulares, cada vez mais rápidas e autocontidas, sem espaço para aprofundar matérias ou fazer projectos de longa duração. Mesmo que numa cadeira se tenha tempo para isso, há sempre outras tantas cadeiras de ritmo rápido que sugam a energia aos alunos.
E, como tudo dentro da esfera da neo/ordo/ultra/etc/liberalidade, a promessa de liberdade individual derivada da autoregulação do sistema, traduz-se em a) Miguéis Relvas, casos onde a possibilidade de trocar tudo por créditos, inerente ao sistema, atropela justiça, ética e moralidade, b) uma situação onde a administração do sistema, das equivalências, das notas, da burocracia envolvida, se torna cada vez mais na totalidade do sistema, controlando tudo e todos.
Se já houve alturas em que a avaliação se destinava a aferir a qualidade do trabalho produzido, neste momento só se destina a acelerá-lo (é preciso dar vazão), verificando se o aluno e os docentes estão a fazer qualquer coisa. Isso é particularmente óbvio nos doutoramentos, que já foram oportunidades para fazer investigação de fundo, e agora se tornaram num Monstro-de-Frankenstein final de papers, relatórios e avaliações preliminares, cosido à pressa e com o estofo a ver-se.
Seria útil repensar Bolonha, em parte porque funciona cada vez menos, na proporção inversa do trabalho e do tempo que se atira para dentro do sistema. Em parte, porque foi feito em troca da promessa de mais financiamento, e isso como é evidente não aconteceu.
Contudo, o sistema gera e premeia a conformidade burocrática. Se perguntamos qual é a fundação de uma norma, dizem-nos que veio da reitoria ou do ministério e que é assim para todas as faculdades. Se tentamos saber qual a sua fundamentação científica ou simplesmente argumentativa ninguém nos sabe responder, nem de onde vem, nem porque razão, nem para quê – o que importa é cumprir.
E tudo isto enquanto se invoca a ciência a torto e a direito. Seria mais honesto se o rótulo do iogurte informasse do que está realmente lá dentro; assim proponho que onde se escrevia “ciência” se passe a escrever “burologia” – a ciência que estuda a burocracia, pois claro.
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“informasse” e não “informa-se”
ups