Ver este filme foi para mim a sensação inversa de despertar do sonho de um western spaghetti, revisionista, cheio de gente encasacada, lacónica ou acanhada, de hábitos silenciosos ou guturais, e descobrir lentamente enquanto tomo café que não haviam pistolas nem cowboys, mas apenas pinceis e paisagistas ingleses. O próprio Turner no filme é uma massa peluda e desconfiada, de grunhidos e repentes. Tal como os seus quadros, o filme é uma massa enevoada de onde aqui e ali emerge um detalhe, uma frase, um gesto, um insulto ou uma declaração de amor. O que fica dele é a brutalidade dos gestos mais simples e quotidianos numa época que não podemos conhecer. Tudo o que no filme aparece como indício de futuro é já passado: o comboio a vapor, a fotografia analógica. De familiar, apenas os quadros, o único ponto comum entre dois tempos. Seria o mesmo que entrevê-los a meio de uma space opera, pendurados na cabine de uma estação espacial. A biografia é a mais frustante modalidade de ficção que se pode produzir sobre arte ou artistas. Não explica nem pode explicar nada.
Não posso dizer que me tenha marcado, e só escrevo este texto como exercício de opinião sobre objectos que quase nos deixam indiferentes.
Filed under: Crítica
Comentários Recentes