Por influência da minha irmã que é fã do género ando a ver filmes noir sempre que posso. Aprendi a gostar, porque embora os enredos mantenham quase sempre a actualidade, os tiques do dia-a-dia mudaram muito, desde o modo de falar até à própria moralidade. Para se acreditar em Kansas City Confidential, por exemplo, onde um florista é falsamente acusado de um roubo, que decide vingar, é preciso assumir que em 1952 quase todos os americanos com menos de trinta anos tinham sido treinados na violência da Grande Guerra. Ou que o assassino protagonista de This Gun For Hire (1942) só não combatia devido à deformidade do seu pulso usada no enredo para o identificar.
A maior desilusão dos filme noir têm sido os fins felizes. Por mais desesperada que seja a trama, há sempre amor e casamento. Mesmo quando o protagonista morre, o sacrifício é heróico e redentor.
Gone Girl, de 2014, mostra que hoje o noir é realmente negro. O herói (Ben Affleck) não é simpático, nem sequer chega a ser um anti-herói. O vilão (Rosamund Pike) não morre, nem chega sequer a ser castigada. O fim do filme condena herói e vilão a encenarem uma vida feliz, juntos, à frente das câmaras. Deixa-os assim, em tensão, esperando sempre o pior do outro. Não há conclusão, e é bem mais negro do que tudo o que vi até agora vindo dos anos 1940.
Curiosamente, o casal começa o filme preso um ao outro pela crise económica, mantendo um casamento de conveniência para pagar as contas, e termina-o da mesma maneira, onde começou, com ainda menos saídas, cercado não apenas pela crise mas também pela justiça e pelos media – tragicamente congelados dentro de uma imagem que eles próprios manipularam os media para criar.
É um final kafkiano para os tempos que correm, onde até a morte seria uma saída. Para tempos de crise cuja culpa é óbvia mas impune.
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