Lembro-me bem da trepidação quando escrevi aqui no blogue o meu primeiro texto sobre estágios, faz neste Verão nove anos. Era a coisa mais obviamente politizada que tinha publicado. Lembro-me de um colega meu me ter dito no corredor que eu “me tinha transformado num sindicalista” – ele empregava estagiários regularmente.
Era um assunto que eu nunca tinha visto ser debatido, nem sequer a nível internacional. Na altura, o debate do trabalho gratuito resumia-se ao chamado spec work, as ocasiões em que uma firma ou um freelancer se dispunham a fazer trabalhos gratuitos em orçamentos ou concursos. Os estágios, pelo contrário, eram considerados uma etapa esperada da formação de um designer. Ainda agora há quem assim pense – sobretudo do lado de quem os “oferece”; do lado de quem os recebe, é na melhor das hipóteses “uma coisa pela qual se tem que passar”.
O meu texto em retrospectiva parece-me cru e até ingénuo em alguns pontos, embora o essencial não só mantenha a actualidade como ainda me parece tímido. Por exemplo, eu ainda usava a palavra estágio entre aspas para os distinguir dos estágios curriculares, que considerava positivos. Neste momento, qualquer estágio só com muita sorte não é totalmente prejudicial – à sociedade, ao estagiário, etc.
Mas pelo menos já via ali um problema. Em 2003, Mike Kippenham propunha-se na revista Emigre revitalizar a crítica de design, assumindo um modelo inspirado no Ídolos, um concurso que é muito literalmente um estágio de emprego glamorizado, onde candidatos competem nem sequer por um prémio mas por uma oportunidade, enquanto sofrem os abusos verbais de um júri de entrevistadores. Era a crítica enquanto entrevista de emprego. Já só se falava dos objectos como um atalho para criticar a pessoa reduzida a uma espécie de mercadoria dela mesma.
Mais de uma década depois, a ideia de Kippenham é a norma. O estágio domina o design e a própria sociedade.
A conclusão que se impõe: a discussão política dentro do design manteve-se completamente a leste dos assuntos mais quentes. Na altura em que eu escrevia sobre estágios, ainda se debatia o First Things First 2000, um tiro ao lado, um manifesto que se resumia a acreditar que um designer é eticamente bom se os seus clientes e os assuntos que trata forem bons. Deposita-se a responsabilidade fora da disciplina que se acredita ser neutra, enquanto se pode ir contratando e descartando estagiário atrás de estagiário, porque as “coisas são assim”.
Mas o design não é neutro. O First Things First, com o seu apelo a que se pratique um design de causas, serviu sobretudo de justificação a que se aplicassem os formatos habituais do design – logótipos e identidade corporativa – a iniciativas de caridade, dando-lhes o mesmo visual de uma empresa. A ideia era torná-las mais atraentes aos mecenas privados; o efeito secundário foi, como deveria ser evidente, uma subtil privatização.
Este Toque de Midas do design, de conseguir tornar o que quer que fosse numa empresa, passou também quase completamente despercebido dentro da discussão disciplinar – apesar de Naomi Klein ter publicado um crítica feroz destes processos de privatização com o nome nada subtil de No Logo, o design continuou a sua vidinha como se nada se tivesse passado. Quando muito, embarcou de armas e bagagens na onda do empreendedorismo individual, a fazer logotipos para as massas como se nada fosse. O único queixume: agora toda a gente podia fazer os seus próprios logotipos e isso era concorrência desleal aos designers que tinham tirado um curso, etc. Toda a gente podia ser uma empresa de uma pessoa só, desde que fosse o designer a produzir o logotipo. Como de costume, a ética disto deve andar por aí em qualquer lado, não sei bem onde.
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