Ainda estou abananado com as 1001 noites. Fui ver o último dos três filmes a pensar em trabalho, a precisar de me concentrar para não me distrair. Agora, um dia depois, estou a escrever outra vez sobre o filme, porque não consigo pensar em trabalho depois de o ver.
Um pormenor que aprecio é que este é um filme sem heróis óbvios, que salvam o dia sozinhos. Todos os galãs, os que se relacionam com as mulheres através do sexo e mais nada, são rapidamente e na cara classificados como burros. A narração lembra-nos constantemente que o solitário Simão “Sem Tripas” é um facínora. Xerazade, a coisa mais próxima de uma heroína, conta as suas histórias mas quem as escreve é um colectivo de mulheres. E até dizer que este é um filme de Miguel Gomes é um tique, tendo em conta que, se virem a ficha técnica, tudo parte de um Comité Central.
Já tinha defendido que uma das chaves para o cinema se ter oposto tão bem à crise reside na sua natureza colectiva mas maleável. É precisa muita gente para fazer um filme mas o modo como se organizam não precisa de ser hierárquico. Agora, pensamos tudo em termos de realizadores ou quando muito de argumentistas ou até de actores, mas é possível imaginar modos muito distintos de fazer filmes.
Chris Marker nos anos 1960 fazia parte de uma equipa que filmava uma greve numa fabrica. No final, quando mostraram o filme aos operários, eles agradeceram o esforço mas apontaram que o filme não os representava bem. Tinham deixado de fora coisas que consideravam importantes. Assim, Marker e os colegas deram-lhes condições para filmarem os seus próprios documentários.
Na altura, andavam entusiasmados com o trabalho de Medvedkine, um cineasta soviético que percorria a Rússia nos anos 1920 num comboio estúdio, fazendo e usando filmes como instrumento pedagógico e documental da revolução. Essa mobilidade lembrou-me o esquema usada nas 1001 Noites, de uma grupo de jornalistas que investigava historias que pudessem ser filmadas de um momento para o outro pelo resto da equipa, depois de tratadas pelos argumentistas.
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