Devíamos ter medo dos livros que têm uma única, imensa ideia, levada até ao fim, e que depois disso se levanta e se atira até outro fim, e outro fim ainda, até que não há nada a esperar e, mesmo assim, a ideia avança, já sem nós, em direcção a fins mais luminosos e vêmo-la a ir, a desaparecer, agradecidos por a termos acompanhado, sossegados porque nos pousou, atordoados, sem outro dano que não o espanto. É assim com o assombroso western In The Distance. Li-o no Verão, de um folêgo.
A ideia é simples e única. No século XIX, uma criança sueca perde-se do irmão no cais de embarque para o Novo Mundo. Sabe que devia ir para Nova Iorque mas vai parar a São Francisco. Pouco sabe da língua, pouco sabe do sítio, pouco sabe do que quer que seja – é uma criança, uma versão avessa do Menino Selvagem, abandonado não entre os animais mas os humanos. Decide procurar o irmão e o grande achado do livro é a sua viagem, feita contra a corrente migratória que colonizava o Oeste. O seu ponto de partida é o ponto de chegada. E é contra isso, contra o Oeste como destino, que Hakan avança, ganhando tamanho, tornando-se um gigante, como se alimentado pelo atrito da história.
Encontra arquétipos: o garimpeiro enlouquecido pelo ouro, a Madame, o cientista que se perde à procura da validação da sua grande teoria, o curandeiro índio, a caravana, o herói. Mas são encontros mínimos, violentos e trágicos. A viagem de Hakan é solitária, tangente a tudo, distante de tudo, um homem que se arrasta contra a direcção torrencial da América, contra o sentido das suas multidões, da sua histórias.
Hernan Diaz escreveu o livro em Nova Iorque, sem ter visitado os sítios sobre os quais escrevia. É como se tivesse atirado o seu personagem para longe, como um animal que insiste em voltar a casa sem que o seu próprio dono – não, o seu próprio criador – saiba o caminho de volta, saiba dizer-lhe sequer como voltar. Dotou-o de um instinto migratório e de um território voltados um contra o outro, em direcções opostas.
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