Ainda não sabia bem o que fazer no meu doutoramento. Estava a pensar em ética no design mas considerava mudar de tema, e apareceu a oportunidade de inventariar o acervo de uma das grandes figuras do design português, ainda vivo mas bastante doente. Como costuma acontecer nestes casos, havia alguma crispação na família sobre o que fazer e acabei por deixar a coisa cair ainda antes de começar. Não me arrependo.
Tenho muitos colegas que trabalham com velhos designers e as suas famílias. Os relatos metem-me sempre aflição. As pessoas são muito protectoras e, mesmo quando se desenvolvem cumplicidades, é comum ir tudo por água abaixo por um mal entendido, uma palavra mal percebida, um rumor. É difícil lidar com viúvas e familiares, confidenciava-me um colega que se especializou em história do design português. Será o mesmo na fotografia, no cinema, nas artes plásticas. Há um acervo. Há um guardião. Há muita cautela.
O mais preocupante é quando o próprio investigador se arvora por sua vez em guardião do acervo, começando a policiar o que é produzido sobre o assunto, inviabilizando ou até insultando quem se atreve a usar o seu trabalho de investigação chegando a conclusões «não-autorizadas».
A investigação sobre fontes primárias em design é bem intencionada, mas tosca e pouco informada. Fazem-se entrevistas, vai-se jantar com os veteranos, organiza-se o acervo, registam-se os relatos anedóticos e pouco mais. Faz-se a coisa a olho ou, na melhor das hipóteses, de acordo com a metodologia genérica usada nos mestrados e doutoramentos. É a talho de foice mas ainda assim tem valor pelo inventário e pela catalogação. O problema é mesmo quando se acha que esse é o fim do caminho.
É preciso todo um trabalho secundário de sistematização e interpretação dessas fontes primárias que só muito raramente é feito. Perceber tendências, estudar influências, regularidades, etc. A consequência é uma história atomizada, assente em nomes próprios, em portfolios, em detalhes anedóticos, que é pouco mais do que inútil quando nem sequer pode servir de matéria prima para estudos mais aprofundados, porque aparece logo alguém a protestar que se está a desrespeitar as fontes, que é ignorância, etc.
Confesso que durante bastante tempo tolerei o melhor que pude esta atitude, mas já não tenho paciência. A vida é curta.
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