O que mais aprecio em Conan Osíris é o mesmo que não gosto em Joana Vasconcelos: o fabrico. Os dois são comparáveis enquanto fenómenos fabricados, estudados, construídos a partir de fragmentos e camadas de cultura popular. O músico tem melhor fabrico e mais frescura que a artista.
A ironia, a ambiguidade, em Vasconcelos é superficial, bruta, expediente, uma maneira de evitar comprometer-se, de vender o mesmo peixe a gregos e troianos. Pode ser política e empresarial, pode ser feminista e conservadora, pode ser tudo e o seu oposto, provocadora e conformista, conforme o contexto – e a maior suspeita é que não seja nada.
A ironia de C. Osiris é mais ambígua e rica. Alcança a proeza equilibrista da extravagância sem pretensão. Tudo aquilo soa a uma construção feita sobre muito pouco, sobre nada até. Letras mínimas, básicas, óbvias, numa câmara de ecos de musica, performance e character design – e funciona. E fica-se com mais alguma coisa no fim do que no começo.
Vai-se a um programa da manhã cantar uma música cujo verso é «Sabias que o clitóris é um orgão cuja única função é dar prazer a uma mulher?»* E até se ouvir aquilo ali, naquele sítio e àquela hora, o sítio dos «vou cheirar teu bacalhau, maria», dos «bacalhau quer alho», dos «sei lá, sei lá, quem é o pai da criança», não passava pela cabeça que fosse tão básico fazer uma música pimba provocante e feminista, politicamente correcta, que responde com uma pergunta insolente, definitiva, a toda a grunhalhice tradicional, aceite, da música pimba, invertendo-lhe os termos.
Dá que pensar.
* Correcção: A música é da Catarina Branco que a cantou em dueto com Osiris.
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