Morreu há dias o Harold Bloom.
Conheci-o (salvo erro) através de um artigo n’O Independente. Descrevia uma figura fascinante, capaz de ler três livros por dia e uma irritação constante contra feministas, estudos culturais e marxistas, aquilo que ele chamava a escola do ressentimento.
O ai jesus de Bloom era o cânone ocidental. A sua convicção no dito cânone era hipnótica. Dediquei-me a ler os livros que propunha, que eram realmente bons. Levei uns anos a perceber que os critérios com que justificava a sua lista não eram particularmente interessantes.
Operava a crítica literária como uma espécie de misticismo, maledizendo tudo o que na literatura não era (para ele) literatura. Tirando isso não ficava nada de que valesse a pena falar. Shakespeare era, por exemplo, gabado por Bloom por conseguir falar do mundo inteiro, de todos os estados de alma e de todas as situações. Porém, no mesmo momento, defendia que a crítica literária séria estava interdita desse mesmo mundo inteiro, de boa parte dos estados de alma e da maioria das situações.
Talvez a maior contradição de Bloom seja a que motivava artigos como o do Independente: ao defender uma literatura alheia a considerações políticas, tornava-se numa arma perfeita a ser empregue por quem quer que queira fazer vingar uma agenda conservadora de direita. Bloom ganhou renome pelas suas posições políticas em favor de uma literatura ocidental.
A contribuição mais interessante de Bloom é a sua teoria da influência, que via a transmissão da tradição em literatura como uma luta constante de cada escritor com os escritores que o influenciavam.
Talvez o problema de Bloom seja não entender a crítica literária como uma luta semelhante, de críticos que tentam encontrar a sua voz respondendo a figuras tutelares de um cânone da crítica. (James Wood propõe esta ideia num obituário na New Yorker).
É perfeitamente possível imaginar vários cânones movendo-se em paralelo e com interesses distintos, competindo mas também colaborando, respondendo criativamente e reinterpretando-se uns aos outros. Aquilo que Bloom nomeava como a escola do ressentimento é neste momento bem mais estimulante do que insistir na literatura (ou cinema, ou arte) como uma espécie de forma vazia, isolado e (essa sim) ressentida contra tudo o que a ameace.
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