(escrito a 14 de Outubro, no rescaldo da eleição)
É fácil atribuir culpas directas da presença da extrema direita no nosso parlamento. André Ventura pertenceu e teve o apoio do PSD de Passos até tentar derrubar Rio e ter saído pelo próprio pé. Teve financiamento para a sua campanha. Teve sessenta mil pessoas a votar nele.
Como se viu no último Prós e Contras, ensaia-se a estratégia de o deixar a falar sozinho, de não entrar no jogo. É tarde demais, porque há demasiada gente disposta a fazer o jogo da extrema direita.
A extrema direita já está, há muito tempo, em todo o lado. O passatempo nacional dos últimos anos é debater ideias de extrema direita.
Defendeu-se afincadamente a liberdade de expressão de todo o nazi que queira entrar por uma universidade adentro para debitar propaganda. Qualquer entrave, atraso ou preocupação de segurança é logo crismado de censura.
Qualquer programa de debate televisivo dedica quinze minutos por episódio a queixar-se que já não se pode dizer nada. Já não se pode dizer anedotas sobre pretos. Já não se pode chamar cigano a um ladrão ou ladrão a um cigano. Já não se pode fazer música a tratar de temas universais como assassinar mulheres quando são infieis ao marido. Já não se pode dizer ou escrever que o islão trata as mulheres como cães. Passa-se muito tempo a enunciar na televisão o que já não se pode dizer.
Pelo contrário, criticar quem diz estas coisas é uma manifestação de censura, é a ditadura, é o estalinismo. Ainda se há-de descobrir que cada uma das vítimas de Estaline morreu do esforço de ter que ir comentar a actualidade uma vez por semana a estúdios de televisão. Deve ter sido isso.
Toda esta hipocrisia é mais do que evidente.
A extrema direita entra no parlamento porque já existe uma cultura de extrema direita. Temos colunas de opinião que a defendem. Temos videozinhos no Observador onde José Manuel Fernandes explica a versão 2.0 de como os ciganos são todos uns ladrões. Ou porque dar voz e presença na sociedade portuguesa a homossexuais é na verdade uma perda de direitos para nós todos.
Temos crítica literária praticada na Ler, no Observador ou no Expresso onde se insiste em denunciar livros por serem politicamente correctos – o que significa simplesmente que têm o cuidado explícito de não serem preconceituosos com uma minoria. Toda a produção literária ou ensaística que fale de racismo, de discriminação, que leve a sério identidades minoritárias leva logo com o carimbo do politicamente correcto. É um critério habitual.
Por vezes, vai-se mais longe. No Observador, João Pedro Vala disse que James Baldwin seria melhor escritor se escrevesse menos como um negro.
Para ler crítica que trate estes assuntos com seriedade, é preciso ir a jornais internacionais. Em Portugal, o modo por defeito da crítica (e da opinião) é o gajo branco que não percebe muito bem por que razão já não se está a discutir o considera serem os valores universais da literatura e da arte, porque razão os enredos e as piadas que aprendeu já não têm o mesmo efeito de antigamente. Não percebe porque lhe criticam os mesmos hábitos que sempre teve e que sempre lhe asseguraram um sentido de pertença, de posição.
E tudo o que sabe e pode fazer é falar obsessivamente dessa sua incapacidade de perceber, embora atribuindo-a a outros e ao mundo. Faz dessa incapacidade um caso constante de polícia, de perseguição que lhe movem, de medo. É aí, nesse medo, nessa perseguição, nessa vontade de colocar qualquer crítica que lhe façam como um atentado, como um golpe de estado, que vai constantemente nascendo e crescendo a extrema direita.
Filed under: Crítica
Comentários Recentes