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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

A Espuma dos Dias

O pior que se pode dizer de um texto crítico aqui em Portugal é que trata da espuma dos dias. Que trata daquilo que é passageiro, momentâneo, sujeito às modas, daquilo que não merece ser lembrado. Até se acusa que há críticos que preferem tratar desses assuntos passageiros, dessas modinhas, e não do que é realmente importante.

É comum as críticas de cinema terminarem com um lamento e uma sentença que o filme se esquece mal se sai da sala. É comum quem escreve sobre design desdenhar o trendy. Na arquitectura, por medo de cair no supérfluo e no quotidiano, fala-se do Siza e do Souto Moura. Há umas tantas outras entidades de que se fala à experiência, não vão elas também ser apenas um fogo fátuo. Na arte, as cautelas são ainda mais. Chega-se aos sessenta anos e ainda se é um artista a descobrir, mesmo que uma vez por mês se apareça nos jornais.

A crítica portuguesa acredita que a sua função é a consagração, a legitimação. Dedica-se afincadamente a construir e administrar cânones.

Ora a grande maioria da crítica que eu mais gosto não seria considerada sequer crítica aqui em Portugal. Seria considerada apenas opinião, porque se centra não no cânone mas na espuma dos dias. Mesmo o cânone é interpretado em termos da pertinência que tem agora mesmo. Não se tira do relicário um dos tesouros da Cinemateca para lhes rezar umas novenas, para celebrar a sua pertinência eterna, mas para perguntar que sentido faz hoje. Wichita, de Jacques Torneur, é convocado pelo crítico Richard Brody como parábola sobre a luta para controlar a proliferação de armas. As melhores críticas de televisão de Emily Nussbaum não se perguntam se uma série é memorável mas se é pertinente, se se liga à arena política, ao metoo, a Trump.

Aqui, é ao contrário, quanto menos pertinente for, mais probabilidade tem de passar à história. É verdadeiramente triste como se tenta desculpar com banalidades como a força formal, a arte pela arte, o cinema pelo cinema, etc. o simples pecado de um objecto dizer algo de importante.

É lúgubre ler gente a tratar filmes, arte e livros como um cangalheiro que lhes tira as medidas para ver qual é o melhor caixão onde podem passar a eternidade.

Filed under: Crítica

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