The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Gente que fala no cinema

max86

Acho piada àquelas bestas que desligam cuidadosamente o telemóvel só para passarem o filme todo a bichanar com a pessoa do lado. Provavelmente, acham que o aviso para desligar os telemóveis é uma tentativa por parte dos donos do cinema para estimular a interacção pessoal entre o público. Graças a esta nobre iniciativa, indivíduos alienados que passam o dia todo a falar ao telemóvel podem ir até ao cinema para falar em carne e osso com alguém. Ou isso, ou então chegaram tão atrasados que nem viram o aviso. Para que conste, a única razão que me parece válida para falar no cinema é para mandar alguém calar-se. Ou então para estrebuchar que temos uma dor aguda no braço esquerdo que se está a espalhar.

Em geral, os faladores dividem-se em duas categorias: os que falam sobre o filme e os que não falam sobre o filme. À primeira vista, poder-se-ia pensar que a primeira categoria é mais suportável ou pelo menos pertinente. Nem por sombras: em geral, são bons exemplos de um distúrbio mental que se caracteriza pela impossibilidade de perceber as coisas mais óbvias sem as dizer em voz alta: “Olha, é aquela actriz!”, “Olha, ele vai dar-lhe um beijo!”, “Olha, o filme é a cores!”, “Olha, o ecrã é rectangular!”, “Olha, eu sou um idiota que não consegue passar trinta segundos calado!”

Os que não falam sobre o filme e aproveitam o sossego e as cadeiras confortáveis para pôr a conversa em dia pertencem a uma classe de imbecis completamente à parte. Eu culpo os centros comerciais pela sua existência. No Sábado à noite apetece-lhes sair e vão até ao centro comercial. Depois apetece-lhes ir ao cinema, mas há vinte filmes a passar. Como escolher o melhor? Fácil, o que começar mais cedo. Assim, um bando de Neandertais que encontraria o seu habitat natural a ver o American Pie XVII ou o Fastestest and Furiousest III acaba a ver a reposição de um filme do Bergman – o que até lhes dá jeito, porque normalmente o ruído das  explosões interfere na conversa. Um filme cheio de silêncios contemplativos é o melhor ambiente para praticar a fala – pode ser que daqui uns anitos comecem a praticar o fogo, a roda ou a escrita.

Há uns tempos, havia um anúncio contra o fumo em locais públicos: num restaurante, uma senhora incomodada pelo cigarro de um homem na mesa ao lado perguntava-lhe educadamente se a comida dela não estava a incomodar o seu fumo. No cinema é a mesma coisa mas pior: mandar alguém calar-se implica colocarmo-nos ao nível do imbecil que está a falar. É como se a senhora acendesse um cigarro e começasse a soprar fumo em direcção ao cavalheiro – provavelmente o estafermo ainda pensava que ela queria alguma coisa com ele.

Não falar no cinema é – ou deveria ser – um acto de civismo, como não passar à frente numa fila, não deitar lixo para o chão, não fumar num local fechado ou não andar a bater com um martelo na cabeça das pessoas que falam no cinema. É uma maneira elementar de demonstrar que conseguimos pôr os interesses do grupo acima dos nossos.

Filed under: Não é bem design, mas...

11 Responses

  1. nitrofurano diz:

    tou a lembrar de quando fui ver o ‘Habla con Ella’, bastou aparecer aquela cena da esponja, e eu a dizer ‘tchof tchof tchof’ bem baixinho (a comentar com uma amiga minha, discretamente), e quem estava nas cadeiras de trás começou a desatar a rir… – mas claro, há limites…

  2. Nicolau diz:

    Poderiam entregar à entrada placas com um CALA-SE impresso com tinta fosforescente, para silenciosamente silenciar alguém menos silencioso.

  3. nitrofurano diz:

    @Nicolau – não adianta, toda a gente vai começar a desatar de rir das placas – principalmente se for daquelas de se pendurar ao pescoço, como o relógio de parede daquele deputado madeirense…

  4. Interruptor diz:

    Bastaria tornar o silêncio oficial. Sinalética à entrada colocada ao mesmo nível do não fumar e desligar telemóveis, e empregados do cinema virem lembrar aos trangressores para não falar (e pô-las na rua caso não o fizessem). Faria uma diferença tremenda ser um pedido oficial e não o “palhaço atrás de mim” a mandar calar.

  5. NM diz:

    Grande “rant” sobre estas pestes!

    Além de ser um incómodo, mandar calar quem fala pode-se tornar perigoso. Em Inglaterra uma mulher mandou calar o adolescente falador da fila de trás e passado umas horas, quando ela já estava a jantar num restaurante com os filhos o mesmo tipo atirou-lhe lixivia para cima causando queimaduras na pele e irritação nos olhos.

    A minha pior experiência deste tipo foi com uma amiga minha, ao lado da qual nunca mais me sentei, que no início do Matrix Revolutions me sussurra “No fim… Eles morrem os dois.”

  6. Danae diz:

    Eu fui ingénua ao pensar que devido aos “moderadamente elevados” preços dos bilhetes de cinema, e devido ao lançamento em DVD – e não só, se é que me faço entender – de filmes que estão e/ou estiveram nas salas de cinema recentemente, essas bestas faladoras que vão ao cinema só porque não tem mais nada para fazer, começassem a desaparecer, mas não … e da ultima vez que fui ao cinema percebi isso…

  7. cruz diz:

    Mário, foi para isso que inventaram o picador de gelo 😉

  8. diogo diz:

    Se o martelo for de S. João, é realmente inconveniente…

  9. LC diz:

    Aqui no Rio temos outra praga: a das pessoas que passam mensagens pelo telemóvel (aqui celular) depois do apagar das luzes. Como se a luz do aparelho não atrapalhasse a quem está nas poltronas atrás… Acontece muito nos teatros também.

  10. José Pedro Campeã diz:

    Concordo 100%!

    Só acrescento que é igualmente incomodativo as pipocas, a Coca-Cola, etc. ou seja, basicamente comerem durante o filme!
    Relativamente às pipocas são particularmente enervantes porque há de facto cada vez mais gente a come-las durante os filmes e o barulho é extremamente irritante, e também por tantas vezes que deixam cair os (enormes) baldes ficando depois o chão pegajoso…!

    E também há os telemóveis claro… que às vezes não só os deixam tocar, como também atendem as chamadas, seguindo-se uma conversa…!
    Já tive que me chatear uma vez com isso, porque a pessoa com o telemóvel reagiu muito mal e provocou uma grande confusão… chegando mesmo (entre outras coisas…) a chamar mentirosos a mim e à minha namorada depois deu ter chamado um dos funcionário do cinema para lhe chamar à atenção…

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