The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

20 anos de Ressabiator: por outras histórias do design, em Portugal e não só

Desde 2016, aumentei a minha intervenção em áreas como o antirracismo, o feminismo e os direitos humanos. Participei em projectos e conferências. Porém, a sensação que tinha era quase sempre a de ter uma vida cívica dedicada a estes assuntos, separada de outra vida onde me dedicava ao design, ao seu ensino e à sua história.

Comecei a usar bibliografia preferencialmente produzida por mulheres ou pessoas de minorias historicamente oprimidas. Muitos dos projectos de intervenção onde participei nos últimos anos foram geridos e constituídos principalmente por mulheres.

A área da história do design português, onde comecei a trabalhar por volta de 2008 parece-me cada vez mais frustrante. Os poucos raios de luz são iniciativas como as de Isabel Duarte e Olinda Martins, focados em trazer à superfície designers mulheres, as de Nuno Coelho ou Ecce Canli, estas no sentido de descolonizar a história do design.

Estas novas histórias davam a volta a velhos formatos e documentos. A história do design assenta sobretudo em dois grandes formatos: a biografia dos praticantes exemplares e documentos onde texto e imagem se combinam. A biografia clássica é a de homens brancos e europeus. Os documentos são principalmente em cartazes, capas de livros, exposições, logotipos. As novas histórias propõem novas protagonistas para novas biografias, individuais e colectivas, olham para os velhos formatos procurando vestígios de histórias suprimidas, de estereótipos raciais e de género. Procuram o texto gráfico em lugares menosprezados.

Porém, parece-me que há uma área invisível mesmo no centro do design. Quando se assume, numa história, que algo é design gráfico porque tem letras ou até simples signos, está-se a terraplanar todo o contexto em que esses objectos foram produzidos. Dizer que um caçador do neolítico ou que um fabricante de moedas da Grécia clássica praticavam design apenas porque gravavam signos e letras é esquecer que o design foi criado num contexto muito específico. Não é acidental que tenha surgido em Inglaterra durante o apogeu do seu império colonial. Os primeiros designers ingleses tinham consciência disso. A Gramática do Ornamento, de Owen Jones, um livro fundador da disciplina, era um catálogo ordenado de motivos recolhidos por todo o mundo e em vários períodos históricos reduzidos a uma linguagem comum por via da metodologia que era o design.

Em suma, acredito que no centro do design, as suas decisões formais mais centrais, e habitualmente justificadas pela percepção, psicologia e ergonomia são, na verdade, ditadas por questões culturais e políticas europeias. O trabalho de Jacques Rancière foi, para mim, fundamental para perceber que a organização da percepção é um mecanismo poderoso de hierarquização política. A fronteira entre texto e imagem é usada, desde há muito, para separar o racional do irracional, o civilizado do selvagem, o Eu do Outro, o masculino do feminino.

É por isso que me dedico cada vez mais a uma história do design que não é a dos praticantes, objectos, instituições ou técnicas, mas do próprio design como conceito e das ideias que lhe são centrais.

Filed under: Crítica

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