The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Design para sair da Crise

Nos últimos anos, o quotidiano em países como Portugal tem sido o de uma catástrofe económica e política em câmara lenta, vivendo a vida de telejornal em telejornal, de notícia em notícia, à espera do próximo debate no parlamento, da próxima venda de dívida, da próxima decisão da Alemanha, da Grécia ou das agências de rating. Juntámo-nos à Islândia, à Irlanda, mas também à Palestina, ao Iraque e ao Afeganistão, na medida em que nos tornámos num país-problema, uma daquelas zonas minúsculas onde parece que o bom senso não existe, mas onde a sorte do mundo inteiro parece, por um processo de associação sem dúvida surreal, assentar. Para o melhor ou para o pior, temos sobre nós a atenção de todos.

Há até muito boa gente que acredita que países como Portugal ou a Grécia estão definitivamente arrumados, que não há solução possível para eles, que são estados falhados. Porém, contra a tendência geral há também quem aponte saídas.

No blogue de Paul Krugman, por exemplo, ele cita uma possível solução para a Grécia:

As a member of the EU and as a high-income country, despite current difficulties, Greece’s growth cannot be based on being a manufacturing hub for simple products produced with low wages. A high-quality tourism sector will remain central in Greece’s future, strengthened and complemented by more cultural activities, retirement communities from northern Europe and high-quality medical services at advantageous costs. High value- added agriculture will also be important. Greece should work on channelling a greater portion of the revenues generated by shipping to its national economy. It should find niches in the high-technology sector and participate in its worldwide structure. Finally, with considerable potential for wind and solar energy, green technologies can, in the longer run, become a major source of growth.

Tudo isto poderia ser dito em relação a Portugal, sobretudo a parte do turismo que, embora seja um lugar comum do discurso político, se concretiza quase sempre em má arquitectura, mau design e num falhanço quase total da relação entre cultura e turismo. Neste último caso, o casamento não resulta porque a cultura acha sempre que está acima do turismo (sempre que há algum interesse político que se traduza em dinheiro, as instituições culturais lá organizam a contragosto alguma coisa em que não acreditam verdadeiramente – como o Allgarve, por exemplo, visto em larga medida como um frete por instituições, artistas, crítica, etc.)

Resumindo: dentro do meio cultural, o turismo é tratado com uma interminável condescência; num mundo ideal, cultura e turismo seriam coisas distintas – afinal, o turismo ainda é visto como a industrialização da experiência de viajar, de ver coisas, de apreciar a arte, de tomar contacto com outros países que não é tida como autêntica, mas que, pela sua simples presença, transforma o mundo num parque temático.

Esta desconfiança já existe desde que a viagem de lazer se tornou num negócio e numa indústria: Mark Twain já tinha satirizado os primeiros turistas americanos na Europa em Innocents Abroad (1869); os ingleses dos romances de E.M. Forster, como A Room With a View (1908) ou Where Angels Fear to Tread (1905), já desdenhavam os populares guias de viagem Baedeker, tidos como símbolos de turismo de massas, enquanto os iam usando envergonhadamente para visitarem as cidades e monumentos de Itália.

Era uma forma de snobismo que tinha uma reacção simétrica nos próprios intelectuais italianos, que na mesma altura sonhavam com uma Itália poderosa, que não precisava de viver do seu passado, sem ruínas, museus ou Vitórias de Samotrácia. Como lembra o crítico Reiner Banham no texto Primitives of a Mechanized Art (1959) o Manifesto Futurista (1909) de Marinetti, quase contemporâneo dos turistas de Forster, seria também um ódio às hordas de “art lover’s who came to browse among the monuments of Italy’s glorious past”*.

Mas enfim, tudo isto só para dizer que cultura e turismo são coisas difíceis de conciliar, sobretudo aqui em Portugal. O nosso melhor turismo tem um aspecto barato, expediente e mal amanhadito (letras cursivas e douradas anunciando hotéis), como se mau gosto e turismo fossem necessariamente sinónimos. Durante o Estado Novo, fez-se uma das poucas tentativas de produzir um turismo português com uma imagem sólida, boa arquitectura e bom design, através dos esforços do S.P.N., S.N.I. e S.E.I.T**. Porém, aresistência de artistas e intelectuais ao regime iria passar por um boicote a estes organismos e poderíamos especular que a alergia da cultura portuguesa ao turismo – sobretudo quando tem bom design – é uma herança da época.

Há uns anos participei no projecto, entretanto falhado, de criar um guia turístico para gente que se interessasse em design, arquitectura e arte, e que pretendia tratar os seus leitores como pessoas inteligentes e cultas, inventariando locais e objectos pertinentes por todo o país. Era uma ideia da Experimenta e contava com a colaboração dos Silva! Designer, do atelier de arquitectura Mob e de mais umas tantas pessoas. Não sei porque não resultou, mas era sem dúvida uma boa ideia, que me infectou incuravelmente: agora, sempre que vou a qualquer lado tenho o cuidado de reparar no design e na arquitectura que vou vendo, fotografando sempre que possível.

(Em viagem com os meus amigos e editores da Braço de Ferro, Pedro Nora e Isabel Carvalho, no fim de um dia muito frio do Natal de 2009, dei com a belíssima janela de ferro Art-Deco que ilustra este texto  junto à estação de comboios do Pinhão, cuja linha corre o risco de fechar por decisão do actual governo.)

Actualmente há dezenas – talvez até centenas –, de designers a especializarem-se na história da sua disciplina em Portugal, através de mestrados e doutoramentos, registrando e produzindo um conhecimento que, por um lado, poderia dar uma nova dimensão ao turismo do nosso país, acrescentado-lhe o design e a sua história como ponto de interesse. Por outro, a consciência que existe um património de interesse nestas áreas poderia servir de exemplo ao novo design que se vai produzindo, ao qual ainda vai faltando a qualidade suficiente.

*Curiosamente, Banham visitou a Itália munido de um guia Baedeker de 1906, provavelmente igual aos usados por Forster uns anos antes. Já agora ficam aqui fotografias do meu próprio Baedeker de 1905, igualzinho aos que se podem ver na adaptação ao cinema de A Room With a View (1985):

**Bons exemplos de design ligado ao turismo feitos pelo Studio Tom (1966):

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