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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

72 Grafica

72Grafica
Escolher um poster de entre os disponíveis numa colecção para o colocar numa exposição é um acto até certo ponto polémico. Alguns dirão que se trata de corromper algo que já teve uma utilidade muito específica, desenraizando-o, descontextualizando-o, traindo a sua função original – ou seja, um poster não deveria estar numa exposição ou num museu. No entanto, este género de crítica não tem em conta o modo como os posters habitualmente circulam e como esta circulação faz parte do seu ciclo de vida natural. O próprio título de um ensaio escrito por Susan Sontag em 1970 – “Poster: Advertisement, Art, Political Artifact, Commodity” – chama a atenção para esta circulação, enunciando as diferentes funções que um poster pode assumir ao longo da sua vida.


Naturalmente, um designer dirá que a única função de um poster deveria ser comunicar, anunciando um produto, um evento, e que todas as outras funções possíveis são distorções da sua missão original. Mas, como todos os objectos de design, um poster é disputado para vários interesses, interpretações ou usos; aquele que foi determinado pelo designer ou pelo seu cliente é apenas um deles. Se um poster ainda é lembrado anos depois de ter sido feito, se não foi irremediavelmente esquecido, é porque é um objecto que, de alguma forma, vale a pena disputar.

No caso deste poster, nunca o tinha visto antes de o ter escolhido. Não sei exactamente qual foi o evento que anuncia. Posso assegurar que ainda cumpre uma das suas funções básicas – competir com outros posters –, porque de entre as centenas de posters presentes na colecção de Ernesto de Sousa, foi a minha primeira escolha.

Tentando argumentar essa escolha – no fundo a função de qualquer crítico –, posso dizer que o escolhi porque é um poster chamativo, feito no Estilo Internacional Tipográfico, também chamado Suíço. Aquilo que me chamou a atenção foi a imagem do “72”, tornado quase abstracto pelo kerning apertado, comprimido de maneira a encaixar entre os dois hexágonos em baixo, como se fosse parte de um sistema modular, tudo isto a assentar numa grelha vertical de quatro colunas. É uma composição muito forte, muito centralizada, acentuada pelas duas manchas de texto com alinhamentos simétricos. Significativamente, trata-se de uma lista de nomes próprios sem outra hierarquia que não a ordem alfabética, tudo em minúsculas, sem destaques, tal como era hábito na escola Suíça; é preciso lê-la para descobrir alguns nomes sonantes do design da época como Max Huber ou Bruno Munari.

Além do rigor formal, as outras razões que me levaram a escolher este cartaz são históricas, mas também afectivas. Não sei se esta é uma impressão apenas minha – calculo que não –, mas ver o número 72 em Helvetica, num cartaz feito no Estilo Suíço, lembra-me indirectamente os Jogos Olímpicos de Munique, cuja imagem criada por Otl Aicher se tornaria um dos exemplos mais canónicos da história do design gráfico. Embora a fonte de Munique seja a Univers e não a Helvetica, pode-se dizer que 72 foi um ano marcante para o design de estilo suíço. Foi nesse ano também que Wolfgang Weingart publicou um ensaio chamado “How Can One Make Swiss Typography?”, onde punha em questão muitos dos princípios do design suíço canónico, num dos passos inaugurais do pós-modernismo dentro do design gráfico – um dos exemplos que mostrava no artigo era precisamente um calendário experimental para o ano de 1972.

Finalmente, num registo definitivamente mais pessoal, Fevereiro de 1972, a data deste cartaz, é também a data do meu nascimento. Não é certamente um critério isento para uma escolha, mas, tal como já tinha dito no começo deste texto, um cartaz – sobretudo se for bem sucedido – é sempre disputado por vários interesses. A nostalgia não é o menor deles. O facto de anunciarem um evento ou um produto de uma maneira efémera não reduz um poster a um produto com prazo de validade curto, mas torna-o também numa representação por vezes muito pungente de outra época.

Este texto foi escrito para a exposição “O Que é Urgente Mostrar”, patente na Experimenta desde 9 de Setembro e comissariada por José Manuel Bártolo. No âmbito desta exposição vários designers  – Aurelindo Jaime Ceia, BarbaraSays, Diogo Vilar, Drop/João Faria, Martino&Jaña, Paulo T. Silva, Pedro Nora&Isabel Carvalho, R2 e eu mesmo – foram convidados a escolher um cartaz da colecção Ernesto de Sousa, criando um novo cartaz que estabelecesse um diálogo ou confronto com ele. Não sendo exactamente um designer mas um crítico, escrevi o texto acima como resposta a este cartaz da autoria de Gerevini/Risare.

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8 Responses

  1. Esse ensaio da Sontag é o que foi publicado no livro do Dougald Stermer sobre os cartazes cubanos de 1970? Onde se pode encontrar (alguma antologia de ensaios dela)?

  2. Já agora, onde está disponível a exposição? Presumo que esteja na área do Lounging, mas espantosamente o site da Experimenta ainda não tem o programa dessa área disponível…
    (E essa colecção de cartazes pertence ao acervo de algum museu ou é privada?)

    • Tanto quanto sei, é realmente no Lounging Space (infelizmente, ainda não pude ir vê-la em pessoa). Os cartazes pertencem ao espólio de Ernesto de Sousa, que neste momento está a ser tratado pelo CEMES – Centro de Estudos Multidisciplinares Ernesto de Sousa.

  3. luís diz:

    Viva Mário, vi a expo e naquela altura achei que faltava informação sobre o que era mostrado (não sei se esse aspecto já foi “corrigido” entretanto). Obrigado por teres disponibilizado este texto, está realmente muito bonito e esta escolha é um objecto realmente muito forte e espantoso.
    Grande abraço.

  4. Por falar em cartazes… Um email meu ao MUDE, perguntando pela programação até ao final do ano, teve esta resposta: “em termos de design gráfico, pelo menos, nestes próximos 2/3 meses nada está em agenda, com excepção do prolongamento da exposição ‘Ombro a Ombro'”.
    Acho espantoso que, no ano de regresso da Experimenta a Lisboa, o Museu de Design da cidade não esteja em forma e articulado com o evento para mostrar algo. Começo a ter a impressão de que vou ter de reexaminar a minha visão optimista (ainda que com esforço) expressa em comentários anteriores aqui…

    PS: Sugeri-lhes a GATEWAYS (e não espero por resposta, claro)

  5. Reactor diz:

    Relativamente à indicação do Luís (falta de informação sobre a exposição) a informação relativa ao que está exposto e seus autores encontra-se na folha de sala (formato cartaz 50×70). Embora as pessoas do Lounging estejam atentas e procurem repor as folhas de sala é natural que em alguns momentos elas desapareçam já que do ponto de vista de visitantes a exposição está a ser um sucesso.

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