The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Soluções…

Tentei ver o Prós e Contras sobre a “geração sem remuneração” e fui ficando cada vez mais agoniado com a falta de preparação do programa (e da própria sociedade) para lidar seriamente com este problema. Seria difícil fazer um inventário de todos os chavões e condescendência despejados durante aquele par de horas, sem qualquer rasto de uma solução que não fosse um lugar-comum. Na melhor das hipóteses desfazia-se um lugar-comum atirando contra ele outro lugar-comum.

Alguns chavões sortidos: o mercado de trabalho não consegue absorver os licenciados (conseguir até consegue; só não lhes paga); na mesma onda, reprovou-se o verso dos Deolinda onde se diz que para “ser escravo é preciso estudar”, concluindo que é um apelo à desistência escolar, e mais alguém mostrou um gráfico a demonstrar que é mais fácil encontrar um emprego com um canudo (mais uma vez, o problema que estava a ser discutido não era a falta de emprego, mas a falta de remuneração, um mal entendido que durou todo o programa, tanto quanto pude perceber); culparam-se os sindicatos, essencialmente por defenderem os trabalhadores e não as pessoas que têm uma “espécie de emprego” e, na mesma veia, culparam-se os direitos adquiridos dos trabalhadores mais velhos e sugeriu-se resolver o problema da precariedade tornando toda a gente precária; culpou-se a crise e o contexto português pelo problema (quando o problema dos estágios é bastante internacional e precede a crise).

Resumindo, quase todas as soluções apontadas implicavam uma mudança de atitude dos jovens trabalhadores, porque não tinham iniciativa – ou que até tinham iniciativa (como uma trupe de escuteiros – ! – veio demonstrar), mas que ninguém lhes ligava nenhuma.

Como é habitual, muito pouca gente se lembrou de culpar as empresas que conseguem vantagens desleais à custa do trabalho não-remunerado. No discurso público português, e depois de anos de apelo ao empreendedorismo, tornou-se praticamente impossível dizer mal dos direitos adquiridos das empresas, que se sobrepõem aos interesses dos trabalhadores, do ensino e da própria sociedade, cuja credibilidade vai sendo destruída pelos estágios não remunerados (e falsos recibos verdes), que conseguem a proeza de fazer concorrência desleal a outras empresas, aos trabalhadores assalariados e ao próprio sistema de ensino, sempre que é oferecida formação mais “a sério” que a das escolas em troca de trabalho gratuito.

Só houve uma ideia com o mínimo de interesse – e mesmo assim limitou-se a raspar na atmosfera do planeta Solução, só para ser lançada de novo para o espaço: alguém sugeriu que deveria haver incentivos fiscais para as empresas pagarem aos seus estagiários. Só por si é uma ideia oportunista, que equivale a defender que deveria ser o Estado a pagar indirectamente aos estagiários, limitando-se as empresas a recolher os lucros – em última análise, que o Estado deveria subsidiar as empresas, suportando os custos para com os trabalhadores.

Já referi que o problema dos estágios é internacional e teria sido interessante ver como é tratado em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram estabelecidos – como já referi em outro texto – seis critérios federais para apurar a legalidade de um estágio, entre eles que o trabalho feito num estágio deve ser equivalente ao de uma escola vocacional ou de uma instituição académica; que não deve substituir o de um trabalhador pago; que o empregador não deve tirar vantagens imediatas do trabalho do estagiário (ou seja, lucro). De acordo com este enquadramento, o estágio é um trabalho pro bono por parte da empresa e não apenas do estagiário.

Podia-se imaginar uma situação em que as empresas só podiam usar estagiários para trabalhos de intervenção social e cultural sem fins lucrativos. Neste caso, em que está a ser produzido trabalho que facilita a vida do Estado e da sociedade em geral, nem chateava muito que se pagassem menos impostos, e como bónus, matavam-se dois ou três coelhos com uma só cajadada: as empresas já não faziam concorrência desleal usando trabalho gratuito para obter lucro; os estagiários obtiam formação num contexto empresarial e a sociedade podia beneficiar com os resultados da experiência.

Filed under: Crítica, Cultura, Design, Economia, Estágios, Política

12 Responses

  1. lúcido, pertinente a desbravar caminho. parabéns. 🙂

  2. se as ordens se juntassem para apresentar uma proposta de lei com um novo enquadramento para os estágios a coisa talvez funcionasse

  3. Victor Almeida diz:

    A questão primordial é como remunerar os estagiários? Para as empresas, a partir do momento que remuneram têm todo o direito a usufruir do trabalho do estagiário. Não faltava mais nada!! Uma pequena empresa de design terá poucas possibilidades de integrar trabalho ‘social’, a menos que esse seja o resultado de projectos subsidiados e aí teriam de remunerar convenientemente o estagiário.
    Pegando na história do design, lembro-me de ouvir os colegas mais velhos dizerem que, por exemplo, no atelier de Frederico George, por onde passaram enquanto estagiários Daciano da Costa, Sena da Silva, Afonso Dias, e José Brandão, só se ganhava quando havia trabalho/encomendas. Os atelier funcionavam como uma escola/oficina onde a natureza da ‘empresa’ emergia em contextos específicos. Aos estagiários, que na altura se chamavam de discípulos, este modelo interessava uma vez que do contacto com o mestre e com os colegas mais experientes resultava um claro benefício para si.
    Bem sei que hoje os tempos são outros, mas o posicionamento do jovem licenciado perante a futura profissão carece, por vezes, de bom senso.
    Contudo, ninguém sai ileso desta situação, nem os jovens, nem os empresários (cuja maioria é jovem), nem as escolas que os formam e, em último, a sociedade que cria expectativas sem medir as consequências.
    Em suma, abrir um negócio e sustentar a actividade com colaboradores precários parece-me impensável quer para os empresários, quer para os clientes.
    Em tudo isto as associações profissionais (e, se houvesse, de licenciados à procura de emprego) deveriam ter uma voz mais sonora…

    Não se calem!

    • A maioria dos estúdios de design mais interessantes em Portugal têm já projectos paralelos na área da cultura e da intervenção social que são sustentados do seu próprio bolso e extra-horas. Conseguir que esses projectos fossem apoiados, nem que fosse com benefícios fiscais, conseguindo como bónus mão-de-obra legítima, é uma solução possível para estimular mais experimentação consequente dentro do design português.

      Se o objectivo for realmente a formação e a intervenção, e não apenas conseguir mão de obra grátis, não me chateia que se dê subsídios directos ou indirectos. Em todo o caso, é melhor do que subsidiar directamente o pagamento de salários através de estágios profissionais.

      O maior risco seria a tentação do Governo de começar a “ditar” que tipo de trabalho extracurricular os ateliers deveriam fazer em troco do favor – o que é muito provável.

      E, de facto, as associações deviam ter algo a dizer sobre todo este assunto.

      • x diz:

        “Bem sei que hoje os tempos são outros, mas o posicionamento do jovem licenciado perante a futura profissão carece, por vezes, de bom senso.” Esta é daquelas afirmações que me deixam furioso. Espantoso paternalismo.

    • João Soeiro Gonçalves diz:

      Infelizmente, as Ordens Profissionais foram as primeiras a promover esta situação com a criação de estágios a martelo, sem olharem a consequências no próprio mercado de trabalho. Já há muito tempo que pouco lhes interessa a verdadeira situação dos recentes licenciados, mas antes se preocupam incessantemente em arranjar maneira de lhes dificultar a vida na entrada no mercado de trabalho! E ainda que reconheça que devem ser estabelecidos critérios de avaliação das licenciaturas – porque há efectivamente licenciaturas de muito má qualidade – não sejamos hipócritas: 1º no tempo dos senhores mais velhos, não acredito que o ensino fosse perfeito, ao ponto de todos de lá sairem iluminados. 2º iluminados ou não, todos entraram no mercado de trabalho, dificilmente sem a humilhação do trabalho gratuito que os jovens são obrigados a sujeitar-se 3º mesmo que fosse verdade que estamos assim tão mal formados, poupem-nos: foi exactamente essa geração afinal agora tão conscienciosa que nos formou! Portanto, se a sua preocupação pela nossa eventual incapacidade e imcopetência fosse de facto verdadeira, isso seria auto-atestarem-se como incompetentes, pois afinal foram os nosso professores e formadores!

      • É totalmente verdade que existem cursos a mais a vagas muito mal distribuídas e que o trabalho conquista emprego e bons salários.

        Mas a questão fundamental não é essa, é a impunidade generalizada na violação de leis laborais e o facto de existir um desemprego recorde a coincidir com o menor poder de compra de sempre.

        Parecendo impossível ignorar estes números, se não houver contestação geral muita gente vai assumir que tudo isto é irrelevante para o quotidiano dos cidadãos.

  4. Dar estatutos e recursos à ACT para realizar uma fiscalização global e imediata a todas as empresas e orgãos estatais nos próximos dois anos fariam maravilhas.

    • João Soeiro Gonçalves diz:

      Infelizmente Nuno, já fui um “crente” nas capacidades e competências da ACT. Amargamente, sei hoje do que fui observando, que a ACT NUNCA ACTUA CONTRA O ESTADO, ou seja, NUNCA FISCALIZA QUALQUER ORGANISMO OU INSTITUIÇÃO PÚBLICA. Pior: quando há denúncias contra orgãos públicos, há fugas de informação e o organismo público faz muito provavelmente a vida num inferno ao trabalhador…!

      • Não actua no Estado porque não está nos seus estatutos essa possibilidade.

        Vou para exigir essa alteração porque já se começa no editoriais a ver uma retórica que diz “ACT não tem capacidade logo vamos começar a fazer reformas laborais para remediar”. Isto não faz sentido.

        Quando há poucos polícias ou não chegam a determinadas zonas a solução não é redefinir o crime para acomodar a situação.

  5. Luciana Marques diz:

    Mais uma vez parabéns Mário pelo discurso lúcido!

  6. Bernardo Marinho diz:

    Faz me uma certa confusão a forma como muitos anúncios de emprego na área de Design vêm a pedir uma “pessoa” que domine todas as áreas do design é o photoshop e as artes digitais, é o illustrator e as ilustrações, é o indesign e o editorial e já agora que o pessoal alêm de dominar todos os campos técnicos e teóricos e metafísicos do design trabalhe em equipa e goste de estagiar porque na empresa são “muito á frente” e oferecem maçãs e café.

    Enquanto futuro estagiário e estudante de mestrado tenho a dizer que as empresas criticam o ensino mas acham que os designers (estudantes) são verdadeiros übermans e querem um que faça tudo, metade dos pequenos ateliers que visitei são geridos por um imbecil que a formação que tem em design é literalmente “desenhar bonecos”.

    E verdade seja dita, a meu ver, as empresas querem super-homens que trabalham em tudo ( eu sou estúpido e achava que o Design era aquela coisa interdisciplinar) á velocidade da luz e super bem feito e maior parte dos estudantes não quer ter “trabalho”, quer receber e andar a brincar ao design, porque é verdade, os designers séniores e directores de arte devem se sentir ameaçados pelos estudantes com licenciatura/mestrado que se tornam técnicos de design e software nas suas empresas e dizem que tudo o que fazem não é criativo, não é funcional, não é blah, blah, blah, e depois temos o oposto excelentes teóricos que pensam muito bem e fazem muito mal e andam todos ás turras e ninguém arreda pé…

    Resumindo as empresas não pagam, porque quando pagaram ninguém trabalhou, os estudantes querem fortunas e pouco trabalho…

    Ps: Isto acaba por ser mais um queixume do que uma opinião ou comentário relevante, mas ás vezes é preciso…

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