The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Maus empregos

Ultimamente, as pessoas vão-se apercebendo que o design é um mau emprego, no sentido em que ganhar algum dinheiro com isso é muito difícil. Lendo os currículos de jovens designers, gente com menos de trinta anos, isso é dolorosamente palpável. Os mais novos já fizeram, na melhor das hipóteses, uma enfiada de estágios informais ou profissionais sem que disso tenha saído dinheiro ou emprego. Os mais velhos têm experiências mais variadas. Alguns trabalham no atelier de um nome conhecido, cumprindo tarefas de modo competente, criativo, mas essencialmente anónimo. Se tivessem uma oportunidade de tentar a sorte por si mesmos, numa coisa mais criativa, lá fora, por exemplo, não se importavam de tentar, mesmo que isso implicasse perder o emprego. Outros seguem a via da investigação, sustentando-a com uma enfiada de bolsas mais ou menos bem pagas, mais ou menos precárias. As mais curtas podem durar semanas, as mais longas três ou quatro anos. Se acabam, nem subsídio de desemprego têm. Outros ainda fazem design freelance, mal pago, sustentado por outro género de actividade – dar aulas, vigiar exposições, etc.

A sensação é a de um mercado triste e saturado. Uma sensação que amarga um pouco quando se conclui que, apesar do excesso de designers, não há excesso de design. O design bem feito é raro – e já só falo da mera competência, deixando de lado as coisas que realmente entusiasmam (ainda mais raras).

É claro que, falando de design bem feito, se dá a entender que falamos do rigor da tipografia, da atenção aos pormenores da impressão ou da programação, no caso de um site, por exemplo. Contudo, falar de design bem feito também pode querer dizer outra coisa: design que é feito de uma maneira que não envergonha. Este também é um design que se vai tornando raro nos tempos que correm. O design tornou-se uma daquelas áreas da vida pública e politica que é administrada com desprendimento, expediência e voluntarismo. Os exemplos são muitos: trabalhos de vulto atribuídos sem concurso ou responsabilização pública de qualquer espécie; designers que administram protocolos de cooperação com clientes privados numa instituição pública (uma escola de design por exemplo) e que acabam por ficar com esses clientes para si. E por aí adiante.

A sensação que fica é a de uma área onde vale tudo. Bastante disposta a colher honras e louvores, mas muito mais reticente quando se trata de discutir em público o que correu mal. Também aqui os empregos são maus, não no sentido de serem mal pagos, evidentemente, mas daquilo que em ética se costuma chamar “mau”.

Filed under: Ética, Design, Política

13 Responses

  1. Nuno diz:

    Podia substituir designer por arquitecto (ou jornalista, ou agrónomo, ou…) e reter exactamente o mesmo texto.

    Existe o capital humano correspondente a um país desenvolvido mas não onde o aplicar, é uma situação bizarra e característica do nosso mercado laboral…

  2. Pedro Ribeiro diz:

    Concordo com o primeiro comentário, isto não é só no design: arquitectura, psicologia, jornalismo, etc. Em quase todas as profissões liberais/criativas isto se passa. É um problema estrutural/económico/social – grave – do nosso país.

    • De facto, é a mesma coisa em todo o lado, e isso leva a duas conclusões. A primeira é que o design já está (demasiado) bem integrado na vida nacional, nos seus aspectos mais negativos e mais positivos. A segunda é que o design é um sítio tão bom como outro qualquer para começar a mudar a situação.

  3. Tiago Machado diz:

    Do meu humilde ponto de vista, acho que a culpa é das pessoas. Porque se sujeitam. Porque se rebaixam. Em última instância, porque não se respeitam, levando os outros a não os respeitarem.

    Sou jovem, sou designer, e sempre recusei más propostas. Li algures uma frase de um conhecido designer, que narrava mais ou menos “um local onde não nos queiram recompensar monetariamente pelo nosso bom trabalho, é um local onde não interessa estar” (mais coisa menos coisa). Se o nosso trabalho gera dinheiro, o mínimo que devemos esperar é uma parte dele. Nada mais honesto.

    Não vejo estágios para empregada de limpeza, pedreiro ou padeiro (se calhar há e eu sou apenas mais um ignorante). São profissões tão ou mais desgastastes que o design ou a arquitectura, e como tal não vejo razões para trabalhar de graça nestas duas últimas e não nas três primeiras.

    É a lei da procura/oferta. Se à muita oferta (ao ponto de estarem dispostos a trabalhar de graça), então a procura vai-se aproveitar disso.
    Se houvesse escassez, até os maus profissionais teriam boas oportunidades.

    Alguns amigos já por várias vezes desabafaram que quando estão a fazer processos de selecção se assustam com a falta de qualidade dos portfólios. Essa também é a outra face. Se se é um profissional medíocre é difícil reivindicar algo além do medíocre (ainda por cima em tempos “difíceis”). Um bom profissional com a atitude correcta vale mais que 10 medíocres.

    Acho que a única fase da vida em que podemos eventualmente trabalhar de borla para os outros é — excluindo o voluntariado social — enquanto não temos competência para exercer um determinado cargo. Se trabalhar para alguém de graça durante algum tempo nos vai dar essas valências, então nessa fase vale a pena.

    Tudo o resto é pura e simplesmente desvalorizar-mo-nos. Se não tivesse esta postura estaria como muitos a trabalhar por valores pouco acima dos salário mínimo e a recibos. Felizmente não estou.

    A minha dica seria algo nesta onda: valorizem-se (com sinceridade, e acima de tudo com moral, se não formos realmente bons temos de nos esforçar para o ser, as pessoas não são estúpidas e a mentira tem perna curta), e serão valorizados.

    É a minha visão da coisa, não tem necessariamente de ser a vossa.

    • Só vejo aqui um problema:

      “Acho que a única fase da vida em que podemos eventualmente trabalhar de borla para os outros é — excluindo o voluntariado social — enquanto não temos competência para exercer um determinado cargo.”

      Mesmo aqui, acho que deve ser remunerado ou, então, não ser feito de todo.

      Acho importante que o dinheiro seja um sistema de gratificação; que o esforço seja recompensado e o dinheiro é das formas mais directas de fazer esta atribuição.

      No entanto há um contra-senso: se não tenho competência, a meu ver, vejo três hipóteses.

      Ou não o faço, para não comprometer uma situação profissional em que posso prejudicar um cliente; ou o cliente acorda comigo quer o tempo quer a remuneração correspondente a este para me tornar capaz de executar a tarefa; Ou, simplesmente, trato de ganhar esta competência sozinho, visando um dia mais tarde, caso me surja algo similar, ser capaz de o fazer.

  4. Pedro Ribeiro diz:

    É um mal já muito enraízado na mente dos portugueses, a de que o que importa é a infra-estrutura: o hardware, o produzir coisas físicas, seja vinho, computadores, casas, aqui os livros não valem o papel em que são impressos, o que interessa é o material/componentes o lado físico. No design é notório da seguinte forma; o cliente contabiliza e valoriza o material, o suporte físico do trabalho mas não a parte intelectual deste. Os próprio designers/empregadores (?) acabam por cair nesta armadilha, e as vítimas são eles próprios…

    A componente humana e verdadeiramente vital é esquecida, o que poderia ser “o” elemento diferenciador de algo (produto/empresa) torna-se um frete, não se investe no capital humano, prefere-se o seguro.

    Assim também não é preciso procurar novas ideias, reciclam-se e acomoda-se ao confortável. Mais vale investir pouco, ganhar pouco, não perder muito, porque na China até fazem mais barato… Aí está, é transversal a todos os sectores da sociedade portuguesa. No caso do design é tanto (ainda) mais grave pela importância que deveria ter na construção da economia e da própria sociedade.

    A China é um bom (mau) exemplo de um país sem design, ao nível do cidadão comum, é um exemplo extremado: anónimo, clonado, barato…

    Não sei como serão as condições de trabalho dos designers(?) na China. Se calhar há correspondência entre estes dois factores qualidade de vida dos designres do país/qualidade do design.

  5. Pedro Nunes diz:

    Há dias o António Barreto comentava o progressivo empobrecimento económico do País nos últimos 10 anos. Creio que há aqui uma ligação com a deterioração das condições do trabalho não só no design mas também em muitas outras áreas. O Pais está mais pobre e não só em termos financeiros…O design nunca foi uma prioridade para os poderes públicos e privados, é qualquer coisa que está entre a decoração de papel, no caso do design gráfico e a decoração de interiores, no caso do design de equipamento, parece-me que o design em Portugal ainda está muito ligado à ideia de “embalagem” de aquilo que no alentejo chamam “o barulho das luzes” os conteúdos são um territorio à parte onde muitas vezes o design não entra…

  6. Formado em Design de communicaçao nas belas artes do Porto, estou agora em França, a procura de emprego. Como era de esperar as coisas também estão difficeis aqui.
    No entanto tive, na passada quarta passada, uma entrevista para um posto, de como eles chamam, “infografista” para uma administraçao territorial.
    Isto é uma grafista que utiliza a informatica para produzir design. Espantando com essa diferença para a nossa infografia (informaçao grafica), ainda o fiquei mais quando durante a entrevista perguntei quais seriam as ferramentas ao meu dispor para produzir a communicaçao visual que necessitam.
    Responderam me: Nao temos nada, temos sim necessidades frequentes nessa àrea mas estamos ainda a optar entre adquirir material ou pedir ao candidato para usar o seu material (computador+software). Ai fiquei abismado quando perguntaram me se as licenças dos meus programas era legal.
    Uma instituição publica a perguntar a um candidato se pode usar os seus programas piratas e produzir objectos comerciais com eles, ainda por cima com com um contrato financiado a 95% pelo estado? Será que percebi bem?

    O mau trabalho e as suas condições estão por todo o lado. Para mim é todo o sistema capitalista que esta em questão. Enquanto o lucro for a palavra de ordem as relações humanas serão cada vezes mais tensas e competitivas, nas famílias. incluindo.
    Boa sorte a todos (terei a resposta na próxima quarta feira).

  7. Nelson diz:

    Boas!

    Está na moda a entidade patronal aproveitar os benefícios que o Estado lhe proporciona com os estágios InovJovem. Para a entidade patronal é uma óptima maneira de obter mão de obra de um “amigo” que ali chega e vai trabalhar durante 6,9 ou 12 meses. Para o candidato é uma óptima maneira de encaixar cerca de 1000 euros mensais o que o faz antever que o futuro é risonho. Porém, no fim desse periodo há alguns amargos de boca. Ou a entidade patronal tem possibilidade de oferecer um contrato dentro dos valores outrora pagos ou o candidato leva um rombo no orçamento. Em muitos casos “amigos como antes e boa sorte para a tua vida”…

    A minha experiência profissional começou numa das maiores agências de publicidade e design em Portugal. Podia ficar aqui a queixár-me da má remuneração que me foi oferecida mas sinto que a aprendizagem que tive colmatou a falta de dinheiro para livros e afins. Á que lutar contra essas fraquezas e cabe aos designers em inicio de carreira mostrar que valem mais do que estão a auferir mas tambem sei que a entidade patronal sabe disso mas fecha os olhos. Há muita gente à procura de uma vaga por isso quem não está bem que vá embora.

    Como manifesto, digo que as más remunerações jamais vão acabar nesta área. É ingrato estármos a meio de um estágio mal remunerado e sabermos que volvidos 3 meses vamos novamente andar a bater às portas.

    Mesmo assim insisto em dizer que vale sempre a pena arriscar quando não temos sitio onde possamos manter os neurónios activos e treinados.
    As recompensas aparecerão sempre quando nos esforçamos e demos o nosso melhor.

  8. Nuno diz:

    Acho que todos os testemunhos pessoais aqui descritos, apesar de aparentemente contraditórios, dão uma ideia fiel do mercado de trabalho para recém-licenciados.

    O aspecto que me parece mais preocupante é que a tendência para a melhoria das qualificações e oferta da mão-de-obra qualificada está na direcção oposta á evolução das condições de trabalho- é um facto que a precariedade ao abrigo de argumentos que podem ou não ser verdadeiros como a “aprendizagem”, a “competitividade” e a “crise” é agora galopante e generalizada.

    Um exemplo pessoal: ofereceram-me um estágio InovJovem numa empresa bastante conhecida pelo seu trabalho em Portugal e fora com o seguinte acordo- o Estado iria pagar-me uma metade do InovJovem e eles iriam aldrabar e não pagar a metade deles. Isto porque a empresa sofreria de “elevada competição” e eu, como recém licenciado, estaria em “aprendizagem”. Recusei quando soube que a posição que ia ocupar era uma espécie de porta giratória de pessoas todos os anos. Ainda hoje, apesar de saber que seria um disparate para a minha capacidade de me sustentar, penso se deveria ter aceitado. É neste ponto que as coisas estão.

    Reconheço que a aprendizagem tem um valor e ocupa tempo ao empregador, mas este devia encará-la como um investimento da parte dele. É impensável que alguém que não tem recursos para trabalhar de borla durante um ano(ou dois, ou três…) não possa ter acesso a estas profissões.

    Algo vai mal neste país e isto não é o clássico “bota-abaixismo” tuga- é um facto que Portugal é o país mais desigualdade social e com maior quantidade de precários da Europa.

    Click to access inequality.pdf

    http://www.precariosinflexiveis.org/2008/01/precariedade-em-portugal-alguns-nmeros.html

  9. Sou designer (tendo-me formado na FBAUP em Design de Comunicação) e a minha vida de designer dava uma novela mexicana.

    Desde sempre trabalhei a recibos verdes. Comecei a trabalhar numa gráfica. A proposta que me fizeram foi que trabalhasse para eles como trabalhador independente. Ou seja, eu passava recibos, trabalhava por conta própria e podia ter os clientes que eu quisesse! Na altura apenas recebia 300 euros por mês. Eu segui mesmo a proposta à letra e comecei a arranjar os meus próprios clientes e a trabalhar em casa depois de chegar da gráfica. Quando me apercebi que não estava a fazer nada naquela gráfica, demiti-me e mantive-me a trabalhar em casa. Apenas trabalhando 3 dias por semana dava-me mais a receber ao fim do mês do que naquela empresa. Um dia recolhi todos os meus projectos de design e apresentei-os em várias entrevistas. Consegui lugar numa grande empresa multinacional a ganhar acima dos 1000 euros mensais. Mas não me deram contrato e continuei mesmo a passar recibos verdes. Mas mantive os meus clientes habituais ao fim de semana. Ao fim de um ano foi a empresa que me quis trocar por um estagiário do InovJovem. Continuei à procura de trabalho e acabei por conseguir um trabalho a ganhar 400 euros mensais. Mas o patrão era “bronco” e, por vezes, obrigava-me a ficar a trabalhar até às 23h00 porque “isto é urgentíssimo e tem de estar pronto amanha”. Mas pior foi quando me começou a ligar às 3h00 da matina porque “houve um imprevisto e amanha de manha isto tem de estar pronto”… Não aguentei mais de meio ano a trabalhar naquela empresa e demiti-me.

    Agora, estou naquela situação de procurar emprego novamente. Vou mantendo o freelance, mas não chega. Preciso de algo mais consistente.

    Do meu ponto de vista, o designer tem uma vida profissional ziguezagueante. Ora se ganha mais, ora se ganha menos. E há muito aquela ideia do designer ser descartável.

  10. Vanessa Silva diz:

    Muito se pode dizer sobre o estado da empregabilidade na área do design em Portugal, mas grande parte do novelo de vícios resume-se a:

    – Empregadores com maus hábitos contratuais.
    – Trabalhadores que não sabem dizer não a uma má proposta de emprego.

    Isto porque, sejamos concretos e directos, há empresas a explorar os potenciais talentos portugueses e invariavelmente a apagá-los do mapa, simplesmente porque não criam boas condições de crescimento.

    O design reconhecido não foi criado ou sustentado na base da precariedade.
    É sim estimado, enaltecido, acarinhado, limado e encorajado.

    É tão simples quanto deixarmo-nos de desculpas, dizer que é assim em todas as áreas é fácil. Dificil é desvincular vícios, takes time.

    Criar valores de honestidade e encorajamento na contratação é essencial, as empresas, os trabalhadores e o país têm a ganhar com isso.

  11. Hélder Mota diz:

    O último comentário neste post data há já mais de um ano.
    O próprio texto tem 17 meses mas podia ter sido escrito hoje.

    Estamos na fase em que muitos recém-licenciados entram num novo ciclo.

    Não se deixem explorar, se a vossa vida vos permitir isto. Tenham confiança nas vossas capacidades e esqueçam médias e pós-graduações, no caso de quererem um emprego. Façam um bom portfolio, simples e directo. Ninguém espera de um recém-licenciado que tenha muito trabalho a apresentar.

    Não tenham medo de arriscar nas abordagens.

    Desejo a todos boa sorte.

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