The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Liberal, Irreal, Social

Pelos vistos, o governo vai tentar regular os estágios. Segundo um artigo no jornal i, a proposta de Lei de Orçamento de Estado vai tornar “obrigatória a existência de um contrato de estágio escrito, bem como a sua remuneração com um subsídio mensal, além de subsídio de alimentação e seguro de acidentes pessoais”. A lei deixa de fora os estágios curriculares, os estágios extracurriculares com comparticipação pública e os estágios de “emprego público”, que continuarão a ser não remunerados.

A exclusão dos estágios curriculares não me parece mal: um dos maiores problemas dos estágios é promoverem a descredibilização implícita do ensino superior como forma de desvalorizar os trabalhadores em início de actividade e de lhes baixar ou mesmo anular os salários. Por outras palavras: há quem argumente que os estágios não deveriam ser remunerados porque as empresas estão a dar formação que não é dada nas escolas (porque são más, depreende-se). Incentivando os estágios curriculares, já não é possível usar este argumento com tanto à-vontade.

Mas antes dos jovens designers à procura de emprego começarem a dar saltinhos de alegria e dos designers um pouco menos jovens (os donos de ateliers que empregam estagiários) começarem a dar outro tipo de saltinhos, convém ler o artigo com um pouco de atenção: em primeiro lugar, ainda não se sabe a quais profissões esta lei se vai aplicar. Para já, sabe-se que vai afectar os advogados, mas há alguma discussão entre eles se a nova lei faz sentido no caso das profissões liberais ou dos estágios obrigatórios promovidos pelas ordens.

Esta é uma discussão que tem bastante pertinência para os designers, sobretudo os que gostam de acreditar que são profissionais liberais ou os que gostariam de ter uma ordem. De acordo com os advogados, qualquer um destes desejos é incompatível com a remuneração dos estágios – o que faz algum sentido, se pensarmos que um profissional liberal é alguém que pratica uma actividade económica não assalariada, sem ser exercida por conta de outrem; se tiver um contrato de trabalho que lhe assegure um vencimento não pode ser um profissional liberal.

Por aqui se percebe que o rótulo de profissional liberal é uma maneira de pôr os direitos laborais em banho-maria enquanto se espera pelo sucesso profissional, pelos clientes, pelos contactos, pelo dinheiro. Segurança laboral trocada agora por uma promessa de promoção social mais tarde, mesmo que cada vez mais irrealista (ou seja, liberdade e precariedade são as duas faces do mesmo recibo verde).

Filed under: Crítica, Cultura, Design, Economia

9 Responses

  1. Pessoalmente não estou de acordo com trabalho não remunerado. Seja através de estágios, seja através de instituições públicas, etc. Devia haver um salário mínimo para licenciados em estágio. Ao não existir esse mínimo, as empresas de design fazem o que é o menos correcto: terminando um estágio, dispensam o ex-estagiário e colocam outro no seu lugar. Acontece fundamentalmente em empresas que não dão valor ao trabalho do designer e nem sequer o veem como lucro, até porque nem chegam a cobrar ao cliente por esse trabalho. Estou a falar das gráficas, empresas de montagem de outdoors, etc.

    Acontece que, com a crise a agravar, as gráficas optam por eliminar concorrência oferecendo trabalho gratuito. Ou seja, em vez de o cliente ir a uma agência de publicidade ou atelier de design encomendar determinado autdoor, flyer, etc., este passa a entrar directamente em contacto com a gráfica e a gráfica oferece o design.

    Nestas situações, os “patinhos” que mais caem são os designers técnico-profissionais que assim que terminam o seu curso de 12º ano são convidados a trabalhar desta forma por vezes durante anos sem verem um tostão pelo seu trabalho, ou seja, sem terem qualquer ordenado. Assim que o estágio termina, e se tiverem sorte, conseguem um nove estágio não remunerado numa outra empresa, ou então, o que acontece na maior parte dos casos, desistem da profissão pela qual tanto se aplicaram e passam antes a trabalhar em hipermercados, lojas de roupa, etc.

    Essas empresas nunca se irão importar com isso, porque a seguir a um estagiário vem sempre outro que acaba por cair na mesma rasteira. E o mal é que o estagiário acaba por nunca aprender nada, costuma trabalhar o dobro de um trabalhador normal, chega a lidar com situações de stress devido a clientes, trabalho, patrões e erros de impressão ou outros… Resumindo e concluindo, o estágio é a forma ideal de acabar com a vida de um designer.

  2. ana pais diz:

    Eu concordo que existam estágios sendo que estes se tornem numa espécie de formação em que ensinam algo extra, adicional, algo que complemente o que foi aprendido na faculdade. E não é preciso ir muito longe para saber o que nos falta, no caso dos designers. Existem muitas empresas a explorarem estudantes e estão a impor uma atitude em que é preciso ter estágio para se ser alguém numa empresa em vez de mostrarem isso como uma pequena transição necessária, como se os estudantes fossem uns coitadinhos que precisassem muito desse estágio e sem ele não tivessem direito a serem inseridos na empresa. Conheço quem esteja a procurar emprego e recém-licenciado e tem empresas que sabendo dessa situação são capazes de enganar dizendo que os encontraram através do iefp e exigem recibos verdes quando o iefp diz que eles devem usar contracto e não recibos verdes. Ora eles conseguem mais pessoas pelo iefp, benefícios etc, e esquecem de mencionar que estão a exigir recibos verdes aos estudantes sem garantias de nada.
    Infelizmente muitos exploram-nos e é por isso que têm algum lucro e se não nos revoltarmos isso não muda.

  3. Já em outro post se avançava com uma ideia errada de profissional liberal. Gostaria de esclarecer a sua natureza específica. O profissional ganha a característica de ‘liberal’ quando a sua profissão é regulada por uma Ordem Profissional. Em Portugal é assim. O adjectivo ‘liberal’ significa que a carteira profissional do trabalhador—passada pela respectiva Ordem—lhe possibilita decidir se presta ou não o serviço que lhe está a ser pedido. Como sabemos os profissionais têm, bastas vezes, conflitos com os ‘clientes’, que em profissões como a advocacia, a engenharia, a medicina (para me referir às mais protegidas pelo Estado), podem, no seu exercício, suscitar impedimentos pessoais à luz de convicções éticas (morais). Por conseguinte, os profissionais liberais estão protegidos por um código deontológico específico.
    No caso dos designers, tal não foi possível até hoje, de modo que, a figura que mais se aproxima de um ‘liberal’ é um ‘prestador de serviços’, que, ao contrário do primeiro, de um modo geral, não pode negar um pedido do cliente.
    Por tudo isto, considero pertinente que, em sede própria, se discutam seriamente estes e outros assuntos, para benefício do público, dos profissionais e do design. Convém não se esquecer que quem cria uma Ordem Profissional é o Estado, ao contrário de uma Associação e, regra geral, só o faz quando esta é do interesse do público, ou seja, o Estado democrático através da Ordem garante que um determinado grupo de profissionais são pessoas competentes e, também, responsáveis.

    Um abraço a todos,
    Victor M. Almeida

    • No artigo do i pode ler-se a seguinte passagem:

      “O regime abrange os advogados mas é formulada [sic] a pensar nos contratos de trabalho, que não se adaptam a uma profissão liberal, como a advocacia. O governo pretende mesmo que, se os estagiários permanecerem nos escritórios após o tempo de estágio, sejam obrigatoriamente considerados como trabalhadores por conta de outrem. A proposta ameaça, assim, acabar com a advocacia como profissão liberal.”

      A passagem suporta claramente a definição de um profissional liberal como alguém que exerce por conta própria. Poder negar um serviço é apenas outra forma de dizer que trabalha por conta própria (se estivesse sujeito a um contrato de trabalho não o poderia fazer tão facilmente).

      Quanto às Ordens (também conhecidas como associações públicas profissionais), consultei o Diário da República de 13 de Fevereiro de 2008 (não sei se já apareceu mais legislação entretanto). Segundo essa fonte:

      “consideram-se associações públicas profissionais as entidades públicas de estrutura associativa representativas de profissões que devam, cumulativamente, ser sujeitas ao controlo do respectivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e deontológicas específicas e a um regime disciplinar autónomo.”

      Ou seja que estão sujeitas a um conjunto de regras técnicas e éticas mais específicas que a lei geral. No caso do design e da arquitectura, como já tinha dito num texto anterior a sua especificidade disciplinar não é técnica, mas estética. Corre-se o risco de estar a impor através da lei uma questão de gosto. Quanto à existência de uma deontologia própria, não se pode dizer que exista apenas uma, sobretudo nos últimos anos. Neste momento, e dentro dos limites da lei geral, não consigo imaginar qual seja.

      Mais adiante, a legislação refere que:

      “As associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou de participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros.”

      e

      “As associações públicas profissionais não podem estabelecer restrições à liberdade de profissão que não estejam previstas na lei, nem infringir as regras da concorrência na prestação de serviços profissionais, nos termos do direito nacional e da União Europeia.”

      Ou seja, algumas das expectativas populares para uma ordem do design vão contra isto: as ordens não vão regular as relações entre (designers) patrões e designers empregados; também não podem estabelecer preços mínimos.

      • Não li o artigo do i mas no parágrafo citado isso está claro: deixam de fora os advogados que desenvolvem liberalmente a sua actividade e pensa-se nos casos dos assalariados.
        A actividade profissional liberal tem um enquadramento jurídico próprio (existe muita literatura sobre este assunto). Por sua vez, o prestador de serviços é obrigado a prestá-los sob uma determinada remuneração. De fora desta questão ficam os assalariados por conta de outrem. Esses regem-se por contractos de trabalho. São estes que o Governo quer ‘proteger’.

        Uma Ordem é uma associação pública profissional mas uma associação profissional não é uma Ordem. Está longe de o ser.
        Pessoalmente não enjeito a possibilidade de pensarmos no futuro da profissão. Com ordem ou com desordem.

  4. Um trabalhador liberal, ou como se dirá em inglês e mais vulgarmente, freelancer, é qualquer trabalhador que trabalhe por conta própria e em nome individual. Ou seja, é aquele que trabalha com recibos verdes (ou outro tipo de documentos para a mesma função). Qualquer designer que passe recibo assinalando “Design” onde se deverá escrever a “Actividade Exercida”, presente no actual recibo verde, é considerado à luz do Estado e das Finanças como trabalhador liberal, ou seja trabalhador independente.

    Os Advogados, Médicos e Engenheiros que exerçam actividade como trabalhadores liberais também passam o habitual recibo verde.

    A presença de uma Ordem não altera o significado de trabalhador liberal, pois isso será igual para todas as áreas. O que poderá mudar é a forma como será encarado o exercício da nossa profissão. Havendo uma filtragem rigorosa daqueles que poderão ou não exercer o Design e criando de leis que conferem ao Designer direitos e deveres, tal como se sucede nas outras Ordens actuais.

    É claro que como profissional liberal que sou posso aceitar ou rejeitar qualquer projecto ou cliente que me seja proposto. Isso tem que ver com uma questão de princípio. Por exemplo, nunca aceitaria paginar uma revista por 5 euros e, porventura, poderia rejeitar um determinado tipo de revista dependendo da sua temática.

    • O que afirma não existe.
      Não existem trabalhadores liberais.
      Os nomes têm um sentido simbólico, que muitas vezes colide com o sentido etimológico. Pode designar o designer que presta de forma independente determinados serviços, se não pertencer aos quadros de uma entidade pública ou privada, de TRABALHADOR INDEPENDENTE. MAS NÃO DE PROFISSIONAL LIBERAL.

      • E um Profissional Liberal não é o mesmo que um Trabalhador Independente, ou Prestador de Serviços, ou mesmo Freelancer? São termos diferentes mas que querem todos dizer o mesmo. Por Liberal entende-se “Livre” (livre de patronato e portanto Trabalhador Livre), em inglês “Free” (de onde surgiu o termo Freelancer). Trabalhar numa determinada empresa com recibos é ser-se pseudo trabalhador liberal, a não ser que essa empresa seja apenas local de trabalho e que o sujeito não tenha alguém hierarquicamente superior. É assim que trabalham os advogados e os médicos. Os advogados têm escritório próprio ou partilham um escritório com outros advogados. Os médicos têm de trabalhar em consultório e portanto acabam por prestar serviços a determinado consultório médico.

        Mas se não consideras que um Trabalhador Liberal é o mesmo que um Trabalhador Independente, o mesmo que dizer nas finanças que se é um Prestador de Serviços, então o que entendes por Profissional Liberal?

      • Quando dizes “o prestador de serviços é obrigado a prestá-los sob uma determinada remuneração” reparo que estás a determinar que uma pessoa que passe um recibo verde é remunerado de forma salarial? Mas isso está completamente errado (embora haja quem faça isso erroneamente). Se leres o que está escrito no recibo verde percebes o que eu quero dizer com isso. O recibo passa-se cada vez que se recebe de um determinado trabalho. E funciona como factura. O recibo pode ser passado a uma pessoa comum ou a uma empresa ou entidade. A diferença entre recibo e factura é que o recibo verde só poderá ser passado por um trabalhador independente (representando apenas uma pessoa e, portanto um IRS) e a factura só pode ser passada por uma entidade colectiva (que represente várias pessoas e portanto um IRC).

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