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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Ética e comissariado

Ainda em relação ao comissariado, uma consideração breve: não há dinheiro para a cultura em Portugal, mas a cultura continua a ser feita, em grande medida recorrendo a trabalho voluntário ou a estágios; desviando o dinheiro das remunerações para a logística, etc. Tal como no resto da sociedade os cortes são feitos a partir de baixo. E isso exige uma responsabilidade ética por parte de quem gere este processo, que no caso das artes, design, arquitectura, e resto, tem sido o comissariado. No contexto actual não adianta o “participante” – artista, designer ou arquitecto – protestar, fazer greve ou até pedir outras condições, se as estruturas onde se espera que trabalhe não mudam. Neste momento, o comissário tem bastante mais agência do que o artista; é através de actos de comissariado que é activada a produção cultural. Se o comissário não toma uma posição política e ética não adianta muito que os artistas a tomem. Aliás, o maior receio é que a forma como a cultura se organiza hoje em dia, em torno do comissariado, do “curatorial”, seja em si mesma uma organização que naturaliza certas políticas e inviabiliza outras, reduzindo-as a “conteúdo”.

Filed under: Crítica

8 Responses

  1. ines moreira diz:

    Aqui sim, já entendo melhor que há um subtexto relacionado com a Experimenta.

  2. ines moreira diz:

    Não creio, de todo, que seja um caso geral. É uma generalização tão grande como “os funcionários públicos”, ou “os professores”. O país é pequeno, mas há muita diversidade, há os que estão profundamente enraizados, os que pendulam por diversos locais e são frágeis, e os que padecem da efervescência criativa, com narrativas que os tornam mais frágeis ainda.

    • É um generalização tão grande como “estagiários”, por exemplo. Pode-se argumentar que há estágios bons e há estágios maus, mas não se pode negar que o modelo de estágio tem em si mesmo problemas e que esses problemas são contemporâneos e recorrentes. Que esses problemas acontecem para além da competência, da personalidade e do contexto do estagiário, entre outras características.

      O problema não é a generalização, mas se essa generalização permite ajudar a tirar conclusões sobre um problema.

      A diversidade do comissariado cumpre também as suas funções, como já tinha argumentado aqui:

      Sem título

      .

      • ines moreira diz:

        Há aqui um tom de crítica que personaliza no comissariado/curador a crítica do sistema, que creio ser incorrecta. A gestão cultural é feita por administradores, gestores, programadores. Não é feita pelo comissariado. este pode interferir apenas a partir de uma certa escala. O meio é mais profissional do que está aqui retratado, e é o topo que consome mais recursos e toma as decisões. Não é o comissariado que define estes aspectos. Pessoalmente tenho recusado situações que levam a estas assimetrias, ou mesmo à impossibilidade de um trabalho profissional.

        Mas há efectivamente uma responsabilidade de cada comissário pelo seu projecto e pelo modo como envolve as equipas e artistas. Neste aspecto concordo. Há quem abuse do poder e da política da legitimação, oportunidade concedida, ou benfeitoria para fazer trabalhar a custo muito baixo. Mas isso são casos que podem ser identificados, não creio que seja a generalidade dos casos. Também discordo do paralelismo entre estágio e condição profissional.

        Quanto à chamada lateral ao estágio, este é um momento num percurso, é mais uma condição temporária de qualquer aspirante a uma profissão, pelo que difere dos casos referidos no poste, que se focam num grupo profissional. Há estágios para médicos, direito, administrativos, designers, caixas de supermercado, etc; é uma condição transversal. Mas pessoalmente nunca aceitei um estagiário mal remunerado, nem gratuito, tal como nunca fiz nenhum estágio desses, pois creio que não devem ser sequer propostos. (Ser temporariamente sócio em género sem receber parte dos lucros, é o que me soa.)

        Quanto às questões da profissionalização de um meio cultural, seja ele a curadoria, ou a programação (que não é o mesmo), ou a direcção artística de estruturas culturais (outro posto diferente), parece-me desejável que aconteçam e com autonomia do que é a academia, ou a política cultural. São funções diversas. A maioria das críticas que me parecem estar elencadas dirigem-se á gestão, administração, programação. estou certa? O papel da curadoria não é o da programação nem o da produção…

        E também não vejo qualquer mal em eventos de pequena escala, auto-organizados, ou actividades de grupos independentes que promovem mostras e que experimentam a pequena escala, por vezes só para meia dúzia de amigos. é positivo que existam e que proliferem, e que não tenham a ambição de um museu.

        mas no geral, havendo situações negativas, mas também há as que são muito positivas. Há gente que trabalha muito e muito bem, que não tem visibilidade, ou porque não a procura, ou porque o tal sistema pernicioso não a permite.

        Confundir a profissão, ou as actividades que sendo profissionais não são institucionais, com a organização corrente de actividades lectivas, ou com actividades de lazer diversas, que se intitulem comissariado, pode até divertido! Há pintores de fim de semana, actores amadores, cantores de karaoke. Não me incomoda que organizadores, por exemplo, da conferência de uma pessoa, se intitulem curadores. É até divertido…

      • A questão não é, nem nunca foi, personalizar a crítica. Tal como dizia num comentário anterior, faço um caso geral.

        O que me interessa é perceber como há 15 anos ninguém falava de comissarado e neste momento é uma prática que está em todo o lado e que é aplicada em todo o tipo de contextos. Atribuir a proliferação a um mal-entendido ou a um erro de designação é fácil, legitima certas práticas e condescende com outras mas não explica nada.

        Prefiro perguntar: O que mudou para provocar esta explosão de comissariado? Quais as vantagens? Quem beneficiam? Quem prejudicam?

        O que pretendo fazer é crítica e não dizer mal da trienal A ou da bienal B, ou o comissário C ou D.

  3. ines moreira diz:

    Bom, o monolito sólido que está referido como “comissariado” é uma leitura redutora, que no meu entendimento não corresponde à multiplicidade de práticas, nem é metodologicamente produtiva. Daqui é difícil sair. Eu não pretendia “dizer mal” de A, C, D, nem os referi, apenas as condições da prática. Mas como discordo que esse largo grupo profissional/amador/entusiasta de permanentes/intermitentes/pendulares, ou de independentes/institucionais/assim-assim/ e de benfeitores/mafiosos/técnicos, etc etc, possa ser generalizado como grupo, e que as condições da sua emergência possam corresponder uma, duas, ou mesmo três novas condições.

    Para entender a explosão, implica analisar, e concretizar, para referir a multiplicidade de práticas, de posicionamentos, de escalas, de ambições, ou mesmo da total ingenuidade de algumas delas. As vantagens/prejuízos também: se uns beneficiam o mercado da arte, as práticas estabelecidas, ou um grupo ou outro de influencia, há-as também que unem autores isolados, e consubstanciam ideias de colectivo, partilha, ou de linhagens estéticas. Objectivos antagónicos que são vistos como vantajosos e desvantajosos em espelho por uns e pro outros. Uns geram economia, ou são despesistas, outros existem apenas no relacional ou no simbólico.

    Acho que para entender o que é o tal “comissariado” é preciso desfolhar as práticas, mais como verbo que como substantivo – parq ver as várias camadas que revestem a tal proliferação, e as condições da mesma.

    Senão, olhamos para isto exactamente do mesmo modo como me posiciono perante o futebol: detesto, desconfio, acho inútil ou pior, perigosíssimo, e não distingo o jogo, o jogador, o adepto, a corrupção, o árbitro, o kitch, os holigans. Faço uma generalização porque nao me interesse sequer entender as diferenças, ou mesmo as regras e as tácticas. Nunca fui ao estádio, mudo de canal, não me interessa quem está a jogar, quem ganha/perde, nem os campeonatos, as cadernetas, etc. acho apenas profundamente desinteressante. Nada mais. mas seique se quisesse entender tinha de desfazer o puzzle para o voltar a remontar.

    • O “monólito solido” é leitura tua. No link que deixei mais atrás já tinha referido que a minha abordagem inclui tanto o comissário independente, como o comissário feito dentro dos quadros de uma grande instituição, como o comissariado “selvagem” e apresenta um hipótese comum. Tem em conta a multiplicidade das práticas, mas insere-as num quadro político e social, o que costuma ser um problema quando é aplicado ao sistema das artes (e não apenas conteúdo).

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