The Ressabiator

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Se não podes pô-los a pensar uma vez, podes pô-los a pensar duas vezes

Papá, de onde vêm os designers?

Há uns textos atrás, lembrei (mais uma vez) que o designer não é um descendente directo do tipógrafo mas, usando uma analogia biológica, uma espécie concorrente que veio ocupar o mesmo nicho ecológico. A minha intenção era demonstrar que, em actividades como o design – e como diria o avô Hilton à neta Paris –, não basta reclamar uma herança para ser um herdeiro. Não basta dizer que se adora o kerning, se delira com ligaturas e debitar terminologia especializada como “levar à massa”; é preciso que isso  dê resultados. É necessária uma preocupação activa, diária, constante com a tipografia. Dentro do design, e tal como já tinha dito no texto anterior, essa preocupação é cada vez mais uma especialização, reservada aos designers de tipos, de software e a uns quantos cromos que, por coincidência, também costumam ser os melhores designers – embora nem sempre os mais conhecidos, pelo menos em Portugal.

Mas para quê voltar ao assunto?  Porque um amigo me perguntou de onde vem o design gráfico, se não da tipografia. Respondendo abreviadamente, o design gráfico vem do design, entendido como uma disciplina surgida no século XIX e que tentou – e ainda tenta – assumir a responsabilidade da gestão e planeamento de processos industriais, desde o fabrico de objectos até ao traçado de casas e cidades. O design gráfico seria um ramo dessa coisa maior que é o design e dedicar-se-ia a supervisionar o processo industrial que é a produção de certos objectos em oficinas gráficas – e mais tarde na televisão e em computadores. Idealmente, reclamaria também a posse de um discurso público sobre as implicações sociais e éticas desta produção, procurando informar e aconselhar a opinião de políticos, clientes e da sociedade em geral. São estas aspirações elevadas que deveriam separar os designers gráficos dos meros tipógrafos e que justificam, por exemplo, que se ensine o design gráfico numa universidade. Sem elas, seria perfeitamente possível aprender o design estagiando num atelier do mesmo modo que os tipógrafos o faziam enquanto aprendizes numa gráfica.

Infelizmente, estas são aspirações largamente falhadas, tendo em conta que muito do ensino do design se dedica a ser apenas uma espécie de pré-estágio, cujo produto final é o estagiário de design – o acesso a um conhecimento que não seja imediatamente útil à prática profissional mais básica fica reservado a mestrados e doutoramentos. Formam-se aprendizes e não profissionais, minando assim a própria necessidade de um ensino superior de design.

Mas porquê produzir estagiários de design e não designers à moda antiga? Porque depois da informatização das indústrias, comércio e serviços  surgiu a necessidade de gerir quotidianamente aquilo que é impresso nas jato de tinto ou é publicado na net, um tipo específico de secretário que vinha desempenhar o mesmo papel que o antigo escrivão fazia nos escritórios do século XIX e que se resumia a copiar documentos com uma letra bonita. É desta origem humilde que descende a grande maioria dos designers actuais. Fontes como a Andrade ou a Ventura, de Dino dos Santos, baseadas em manuais de caligrafia destinados ao ensino de escrivães recuperam esta tradição e – inconscientemente – são usadas hoje para as mesmas funções para as quais foram concebidas.

Filed under: Crítica, Cultura, Design, Tipografia

2 Responses

  1. […]  a outras áreas profissionais. São particularmente interessantes as relações do design com a tipografia, ligações que se crêem directas e suaves, mas que um exame mais atento revela serem […]

  2. […] esta linhagem descontínua entre tipógrafos e designers, conforme já defendi em mais do que uma ocasião. Só acrescentaria que o design actual tem também os seus antepassados no campo do secretariado […]

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